A NATUREZA JURÍDICA DOS POSTES DE ENERGIA ELÉTRICA
- Alexandre Lopes
- 17 de abr. de 2023
- 19 min de leitura
Atualizado: 20 de abr. de 2023
O direito ao compartilhamento é resultado do reconhecimento da aplicação da teoria da essential facility.
A previsão específica sobre o direito de compartilhamento para as prestadoras de serviços de telecomunicações encontra-se no art. 73 da Lei nº 9.4721997,[1] que assim dispõe:
Art. 73. As prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilização de postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadora de serviços de telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis.
Parágrafo único. Caberá ao órgão regulador do cessionário dos meios a serem utilizados definir as condições para adequado atendimento do disposto no caput.
As prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo são titulares do direito ao compartilhamento e, assim, podem exigir a sua prestação da detentora da infraestrutura o acesso de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis.
Nos termos do art. 3º, inc. II, da Lei nº 13.116/2015,[2] o compartilhamento de infraestrutura é definido como cessão, a título oneroso da capacidade excedente da infraestrutura. Nesse cenário, o compartilhamento da capacidade excedente[3] é um dever[4] imposto ao detentor da infraestrutura. O acesso somente pode ser negado se comprovado motivo técnico justificado.
O compartilhamento deve ocorrer de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis, além de atender o maior número possível de prestadoras.
1. Concessão de serviço público é associada à reversibilidade dos bens afetados ao serviço
Com o processo de privatização do setor elétrico, a exploração dos serviços públicos passou para a iniciativa privada. A concessão do serviço público transfere provisoriamente o exercício da atividade aos particulares, porém, o Estado mantém a exclusividade e a titularidade do serviço.
Os serviços públicos são destacados por lei das demais atividades econômicas, submetendo-se ao regime jurídico de direito público, na forma do art. 175 da Constituição da República.[5]
O contrato de concessão de serviços públicos deve compatibilizar interesses e valores inerentes à iniciativa privada, caracterizando o interesse e a atratividade em prestar o serviço, como também preservar o interesse da coletividade, a justificar maior intervenção estatal.
Nesse sentido, os interesses do contrato de concessão podem ser assim agrupados: (i) a preservação do equilíbrio econômico-financeiro, a remuneração proporcional às atividades;[6] (ii) legítimo interesse de lucro pelo concessionário; (iii) necessidade da devida adequação do serviço em atenção aos interesses dos usuários e da coletividade; (iv) satisfação das condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.[7]
Como resultado da concessão do serviço público, o concessionário recebe provisoriamente o plexo de direitos e deveres necessários à prestação do serviço público e, consequentemente aos bens vinculados à prestação.
Assim, os bens associados ao serviço público são gravados com a característica da reversibilidade, que ocorre ainda que a infraestrutura necessária para a prestação do serviço tenha sido construída pelo particular. Importa, portanto, a afetação dos bens ao serviço público. Nesse cenário, o contrato de concessão deve prever a necessária amortização dos investimentos em equilíbrio com os valores aferidos com a exploração do serviço público. Ao final da concessão, todos os bens necessários e afetados à prestação são devolvidos à concedente, titular do serviço.
Pelo exposto, a concessão do serviço de distribuição de energia elétrica habilita as distribuidoras a prestarem o serviço público e a explorarem a infraestrutura afetada ao serviço, como os postes de energia elétrica. Logo, a infraestrutura necessária à exploração do serviço não é de propriedade exclusiva da distribuidora, que somente detém a posse dos postes a título provisório, em razão do serviço público explorado. Nessa perspectiva, a reversibilidade grava e condiciona a exploração dos postes de energia.
2. O conceito de bem público
A Administração Pública depende dos bens para realizar suas atividades.[8] Ela é titular de bens públicos, sujeitos ao regime jurídico de direto público. Os bens públicos são todos aqueles que pertençam ou venham a ser adquiridos por qualquer ente federado. Ademais, os bens públicos do domínio nacional são aqueles pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno.[9]
A natureza pública alcança os bens pertencentes às entidades e aos órgãos de Direito Público e, segundo o conceito mais amplo,[10] são bens públicos aqueles de titularidade de empresas e sociedades de economia mista destinados à realização de serviço público.[11] Nesse sentido, o conceito de bem público é condicionado à atividade-fim do bem, à função desempenhada por ele.
Os bens públicos podem ser cedidos a particulares, permitindo o uso privativo ou o uso comum ordinário, aberto a todos indistintamente.[12] Assim, seria bem público aquele destinado a um serviço público, detido por uma concessionária de serviço público.
Decorre da concessão de serviço público a transferência da execução da atividade, não da titularidade do serviço, mantendo o poder concedente o direito de reaver a execução do serviço, bem como os bens destinados à atividade.[13]
A concessionária de serviços públicos dispõe de bens particulares, objeto de qualquer relação jurídica regida pelo direito civil ou comercial, e bens públicos, dirigidos à execução do serviço público, submetidos a regime jurídico de direito público.[14]
Pelo exposto, percebe-se que os postes detidos pelas distribuidoras de energia elétrica são bens de natureza pública, objeto do contrato de concessão, afetados ao serviço público e, por tudo, sujeitos a um regime jurídico não exclusivamente privado.
A afetação do poste à satisfação do serviço público e ao consequente interesse da coletividade impede a aplicação do regime do direito privado comum. A distribuidora de energia elétrica não pode invocar o seu pretenso domínio sobre o poste para dar-lhe o destino que desejar.[15]
Essa percepção é essencial para a compreensão da natureza das relações jurídicas decorrentes do compartilhamento do poste, bem como o grau de intervenção do Estado ao modular a exploração do bem público pelas distribuidoras.
3. O poste é um bem reversível
A Lei nº 9.427/1996[16] expressamente prevê que a concessionária deve realizar investimentos em obras e instalações que reverterão à União na extinção do contrato. Isso porque a exploração dos bens afetados ao serviço de distribuição é um privilégio temporário. Ao final da concessão, os postes devem ser restituídos à União, em atenção à continuidade da prestação do serviço público.[17] Assim, a reversão dos bens é decorrência da extinção da concessão.
Por força da Lei nº 8.987/1995, aplicada subsidiariamente ao setor elétrico,[18] os postes afetados ao serviço público, como bens reversíveis, devem ser indicados no edital de licitação[19] formulado para a concessão do serviço público e no contrato de concessão.[20] Se há necessidade de indicação de quais bens são reversíveis é possível, então, a existência de bens privados usados na concessão. Contudo, todos os bens afetados ao serviço público estão sujeitos ao regime jurídico de direito público e os postes, como infraestrutura de suporte essencial à prestação do serviço, são identificados com bem público reversível.
Os próprios contratos de concessão dos serviços de distribuição e transmissão são explícitos em incluir, como integrantes da concessão, as instalações de transmissão, as quais, inclusive, compõem a base de remuneração das distribuidoras e a receita anual permitida-RAP das transmissoras.
Não obstante a necessária previsão dos bens reversíveis, no edital e no contrato de concessão, é possível que os bens reversíveis sejam criados após a concessão pelo próprio concessionário.[21] Os bens construídos podem ser incorporados à concessão e gravados como reversíveis, desde que essenciais à prestação do serviço, mas, no caso, os investimentos necessários à construção deverão ser amortizados no curso da concessão, pela exploração do serviço.
Assim, a invocação do argumento de que a infraestrutura foi construída pela concessionária não afasta o regime jurídico público que condiciona o uso do poste.
4. O concessionário equivalente à de um possuidor
Observada a classificação de Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, os postes poderiam ser classificados como bens originalmente público, afetados ao serviço público quando da delegação. O concessionário recebe o domínio útil, mantendo o Poder Concedente a nua propriedade.[22]
Para Marçal Justen Filho,[23] o concessionário utiliza os bens públicos afetados ao serviço público na qualidade de possuidor, não exercita poderes como se proprietário fosse, e, por isso, deve manter e conservar o bem, restituindo-o ao final da concessão.
Com efeito, independente do título jurídico conferido à concessionária, a exploração dos bens reversíveis é sujeita a uma série de ônus reais.[24] Ademais, a exploração dos postes, bens públicos de uso especial, caracteriza um direito resolúvel,[25] modulado pelo fim público da prestação do serviço.
5. O compartilhamento dos bens afetados ao serviço público
Conforme Alexandre Santos de Aragão,[26] o Estado impõe o dever de compartilhamento dos bens afetados ao serviço público ao aplicar a teoria das instalações essenciais. Nesse sentido, a determinação do compartilhamento não consiste apenas em uma restrição ao bem, mas na modulação do uso do bem público pelo particular. Não se trata de um conjunto de restrições, mas da definição de um regime que determina como o bem deve ser interpretado, gerido e explorado, em atenção à qualificação e caracterização da sua função social.
A função social é erigida como direito e garantia fundamental (art. 5º, inc. XXIII, CRFB/1988),[27] expressamente positivada no art. 421 do Código Civil.[28] Mais especificamente, o art. 146, inc. III, da Lei nº 9.472/1997[29] prevê a função social das redes.
A função social condiciona o uso e a exploração do bem, instrumentaliza restrições à liberdade de disponibilizar e contratar e pode impor determinadas cláusulas obrigatórias aos contratos sobre os bens. Nessa medida, os postes atendem a sua função social na medida em que servem ao uso compartilhado.[30]
Segundo Calixto Salomão,[31] a função social das infraestruturas de serviços públicos somente é atendida pela eficaz afetação ao serviço e pela disponibilização a terceiros.
De fato, não há livre disponibilidade dos postes, o que ocorre é a vinculação inafastável do bem à finalidade pública, atendida somente e na medida em que permite o eficaz exercício do serviço de distribuição de energia elétrica e, de forma secundária, o serviço público de telecomunicações.[32]
6. O poste é um bem público de uso especial distinto da via pública
O poste é um bem público que integra o patrimônio da União, titular do serviço de distribuição de energia elétrica. Ele é detido pela distribuidora de energia elétrica, responsável pela exploração do serviço de distribuição. Além disso, sua finalidade específica e primordial é sustentar a rede de distribuição de energia elétrica, porém, o detentor deve compatibilizar o seu uso com a exploração de serviços públicos dependentes da infraestrutura, como o de telecomunicações.
O poste detido pela distribuidora é erigido a partir de uma obra pública, sob a via pública. Trata-se de bem distinto e independente da propriedade imobiliário do solo. Essa afirmação é essencial para a compreensão de dois temas: o primeiro é referente à competência para a regulação da exploração e instalação dos postes, considerando que o poste ocupa espaço, geralmente regido pela municipalidade; o segundo é referente à remuneração decorrente da instalação do poste em via pública, sobretudo quando a instalação ocorre em rodovias também concedidas à exploração por particulares.
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[1] BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9472.htm. Acesso em: 29 set. 2021. [2] Lei nº 13.116/2015, art. 3º, inc. II: “compartilhamento de infraestrutura: cessão, a título oneroso, de capacidade excedente da infraestrutura de suporte, para a prestação de serviços de telecomunicações por prestadoras de outros grupos econômicos.” (BRASIL. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 13.116, de 20 de abril de 2015. Estabelece normas gerais para implantação e compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações e altera as Leis nº 9.472, de 16 de julho de 1997, 11.934, de 5 de maio de 2009, e 10.257, de 10 de julho de 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13116.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [3] Lei nº 13.116/2015, art. 3º, I: “capacidade excedente: infraestrutura de suporte instalada e não utilizada, total ou parcialmente, disponível para compartilhamento.” (Idem). [4] Lei nº 13.116/2015, art. 14: “É obrigatório o compartilhamento da capacidade excedente da infraestrutura de suporte, exceto quando houver justificado motivo técnico. § 1º A obrigação a que se refere o caput será observada de forma a não prejudicar o patrimônio urbanístico, histórico, cultural, turístico e paisagístico. § 2º As condições sob as quais o compartilhamento poderá ser dispensado serão determinadas em regulamentação específica. § 3º A construção e a ocupação de infraestrutura de suporte devem ser planejadas e executadas com vistas a permitir seu compartilhamento pelo maior número possível de prestadoras. § 4º O compartilhamento de infraestrutura será realizado de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis, tendo como referência o modelo de custos setorial.” (Idem). [5] CRFB/1988, art. 175: “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários; III - política tarifária; IV - a obrigação de manter serviço adequado” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 set. 2021). Lei nº 8.987/1995, art. 9º: “A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato. [...] § 4º Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração.” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8987compilada.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [6] Conforme art. 175 da CRFB/1988 e art. 9º da Lei nº 8.987/1995 (ver nota 71, nesta mesma página). [7] Lei nº 8.987/1995, art. 6º: “Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. § 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. § 2º A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço. § 3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e, II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade. § 4º A interrupção do serviço na hipótese prevista no inciso II do § 3º deste artigo não poderá iniciar-se na sexta-feira, no sábado ou no domingo, nem em feriado ou no dia anterior a feriado. Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários: I - receber serviço adequado; II - receber do poder concedente e da concessionária informações para a defesa de interesses individuais ou coletivos; III - obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vários prestadores de serviços, quando for o caso, observadas as normas do poder concedente. IV - levar ao conhecimento do poder público e da concessionária as irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço prestado; V - comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados pela concessionária na prestação do serviço; VI - contribuir para a permanência das boas condições dos bens públicos através dos quais lhes são prestados os serviços.” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8987compilada.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [8] Conforme Odete Medauar, “[p]ara realizar as múltiplas atividades que desempenha, a Administração necessita não só de poderes e meios jurídicos de expressá-los, mas também de um conjunto variado de coisas, de bens. Os bens têm importância pelo que representam em termos de riqueza pública, integrando o patrimônio do Estado, por serem meios de que dispõe a Administração para atendimento de seus fins e por serem elementos fundamentais na vida dos indivíduos em coletividade.” (MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. 17. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 37-38). [9] Código Civil de 2002, art. 98: “São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [10] Código Civil de 2002, art. 99: “São bens públicos: I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.” (Idem). [11] Conforme Evelise Pedroso Teixeira Prado Vieira, “[e]m sentido amplo, bem público também são os pertencentes às empresas públicas e sociedades de economia mista, mas apenas se prestadoras de serviço público. Estes bens, destinados à realização de serviço público, recebem tratamento jurídico de bens públicos.” (VIEIRA, Evelise Pedroso Teixeira Prado. Direito Administrativo. São Paulo: Verbatim, 2011. p. 423). [12] Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “[o] uso comum ordinário é aberto a todos indistintamente, sem exigência de instrumento administrativo de outorga e sem retribuição de natureza pecuniária. O uso comum extraordinário está sujeito a maiores restrições impostas pelo poder de polícia do Estado, ou porque limitado a determinada categoria de usuários, ou porque sujeito a remuneração, ou porque dependente de outorga administrativa.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 861). [13] Conforme Eugenia Cristina Cleto Marolla, “[n]a concessão de serviços públicos, a concedente transfere, ao concessionário, o direito de prestar o serviço (execução) e não a sua titularidade, mantendo total disponibilidade do serviço concedido e o direito de o reaver, quando assim desejar […] a cura do interesse público impõe diversos poderes-deveres ao concedente.” (MAROLLA, Eugenia Cristina Cleto. Concessões de serviço público: a equação econômico-financeira dos contratos. São Paulo: Verbatim, 2011. p. 35). [14] Conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “[c]omo empresa privada, ela dispõe de bens particulares, inseridos no conceito do art. 98 do Código Civil; como tais, estão no comércio jurídico de direito privado, podendo ser objeto de qualquer relação jurídica regida pelo direito civil ou comercial, como alienação, locação, usucapião, direitos reais, inclusive os de garantia (penhor, anticrese e hipoteca). Mas, como empresa concessionária de serviço público, ela dispõe de bens que estão vinculados à prestação do serviço, sob pena de paralisação que infringe o princípio da continuidade. Esses bens estão submetidos a regime jurídico de direito público, da mesma forma que os bens de uso comum do povo e os bens de uso especial, referidos no Código Civil. Eles incluem-se na categoria de bens extra comercium, ainda que a lei não o diga expressamente; trata-se de característica inerente ao princípio da continuidade do serviço público. Como consequência, tais bens estão fora do regime jurídico privado, não podendo ser objeto de relações jurídicas regidas pelo direito civil ou comercial.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 108). [15] De acordo com Marçal Justen Filho, “[a] afetação do bem à satisfação da necessidade coletiva impede a aplicação do regime de direito privado comum. Não é possível, por isso, o concessionário invocar seu domínio para dar ao bem o destino que lhe aprouver” (JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003. p. 330). [16] Lei nº 9.472/1996, art. 14. “O regime econômico e financeiro da concessão de serviço público de energia elétrica, conforme estabelecido no respectivo contrato, compreende: I - a contraprestação pela execução do serviço, paga pelo consumidor final com tarifas baseadas no serviço pelo preço, nos termos da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; II - a responsabilidade da concessionária em realizar investimentos em obras e instalações que reverterão à União na extinção do contrato, garantida a indenização nos casos e condições previstos na Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e nesta Lei, de modo a assegurar a qualidade do serviço de energia elétrica” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9472.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [17] Lei nº 8.987/1995, art. 35, § 2º: “Extinta a concessão, haverá a imediata assunção do serviço pelo poder concedente, procedendo-se aos levantamentos, avaliações e liquidações necessários. § 3º A assunção do serviço autoriza a ocupação das instalações e a utilização, pelo poder concedente, de todos os bens reversíveis.” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8987compilada.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [18] Lei nº 9.472/97, art. 23. “As licitações realizadas para outorga de concessões devem observar o disposto nesta Lei, nas Leis nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, 9.074, de 7 de julho de 1995, e, como norma geral, a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9472.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [19] Lei nº 8.987/1995, art. 18: “O edital de licitação será elaborado pelo poder concedente, observados, no que couber, os critérios e as normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos e conterá, especialmente: [...] X - a indicação dos bens reversíveis; XI - as características dos bens reversíveis e as condições em que estes serão postos à disposição, nos casos em que houver sido extinta a concessão anterior.” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8987compilada.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [20] Lei nº 8.987/1995, art. 23: “São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: [...] X - aos bens reversíveis.” (Idem). [21] Conforme Sérgio Guerra, a “relação de bens constante do instrumento contratual não é taxativa, sendo certo que outros bens que venham a ser adquiridos pela Concessionária, efetivamente utilizados na prestação dos serviços, serão passíveis de reversão ao Poder Concedente.” (GUERRA, Sérgio. A reversibilidade dos bens nas concessões de serviços públicos. Revista de Direito Público da Economia – RBDE, Belo Horizonte, ano 2, nº 8, out./dez. 2004). [22] Segundo Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, “[d]e tal sorte que se pode afirmar que os bens integrantes da concessão (não a integralidade dos bens de domínio da concessionária) são bens públicos, no sentido funcional (porquanto dedicados à prestação de um serviço público), e, sob o prisma dominial, são, em parte, bens públicos aqueles que ao tempo da concessão eram já de titularidade do poder concedente e seguem sendo) e, em parte, privados (aqueles que integram o patrimônio da concessionária mas, por serem essenciais ao serviço público, são desde logo considerados reversíveis).” (MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Concessões. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 196-197). [23] Para Marçal Justen Filho, “na pendência da concessão, a situação jurídica do concessionário quanto aos bens públicos é equivalente à de um possuidor; assim ele não exercita poderes sobre a coisa tal como se proprietário fosse. Incumbe-lhe promover a sua manutenção, conservação e aperfeiçoamento. Uma vez encerrada a concessão, a posse desses bens será retomada pela entidade concedente e, se for o caso, transferida para um novo concessionário.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 606). [24] De acordo com Alexandre Santos de Aragão, os bens reversíveis, “durante a concessão, são propriedade privada sujeita a uma série de ônus reais (inalienabilidade, impenhorabilidade e destinação predeterminada) e à condição resolutiva ao fim da delegação.” (ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 591). [25] Conforme Eros Roberto Grau: “04. Daí que – completo – as instalações e instrumentos integrados à prestação de serviço público pelo concessionário, bens de sua propriedade até o termo do prazo da concessão (por isso consubstanciam propriedade resolúvel), participam da administração pública como atividade e se acham, portanto, vinculados ao seu fim particular. Integram o patrimônio administrativo do poder concedente. São bens públicos de uso especial.” (GRAU, Eros Roberto. Contrato de concessão: propriedade de bens públicos, encerramento do contrato e artigo 884 do Código Civil. Revista de Direito Administrativo – RDA, Rio de Janeiro, v. 261, set./dez. 2012. p. 38). [26] Nas palavras de Alexandre Santos de Aragão, “são reversíveis, não podem ser alienados (ex vi, por exemplo, art. 101 da Lei Geral de Telecomunicações - LGT), são impenhoráveis e imprescritíveis, os delegatários apenas exercem a sua gestão para os fins públicos previstos no marco regulatório etc. O Estado, ao aplicar a Teoria das Instalações Essenciais aos bens afetados a serviços públicos, não está simplesmente determinando o acesso a bens privados, mas sim a bens “quase-públicos” geridos por delegatários privados.” (ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. Forense: Rio de Janeiro, 2013. Tópico IX). [27] CRFB/1988, art. 5º, inc. XXIII: “[...] a propriedade atenderá a sua função social.” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [28] Código Civil de 2002, art. 421: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [29] Lei nº 9.472/1997, art. 146. “As redes serão organizadas como vias integradas de livre circulação, nos termos seguintes: [...] III - o direito de propriedade sobre as redes é condicionado pelo dever de cumprimento de sua função social” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9472.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [30] Conforme Maria Sylvia Di Pietro: “isto significa que os bens que compõem essa infraestrutura passam a sujeitar-se a regime jurídico especial de direito público, à semelhança do que acontece com outros bens, como aqueles que são sujeitos a regras de proteção pelo Código Florestal ou pelas leis que disciplinam o tombamento. Tais bens continuam no domínio privado de seus proprietários. Contudo, cumprem uma função social, na medida em que seu titular sofre restrições de uso e gozo em benefício do interesse público. E essa função social não decorre só da vinculação do bem ao serviço público ou de interesse público a que está afetado, mas também da sua afetação a outro fim público, que é o de servir ao uso compartilhado. Note-se que a própria Lei Geral de Telecomunicações quis realçar o aspecto da função social da propriedade, ao estabelecer, no artigo 146, inciso III, que ‘o direito de propriedade sobre as redes é condicionado pelo dever de cumprimento de sua função social’.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Compartilhamento de infraestrutura por concessionárias de serviços públicos. Fórum Administrativo Direito Público FA, Belo Horizonte, ano 2, nº 11, jan. 2002). [31] Segundo Calixto Salomão Filho, “[f]unção social das infraestruturas de serviços públicos, atendida pela sua eficaz afetação ao serviço e pela disponibilização a terceiros” (SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos). São Paulo: Malheiros, 2001. p. 60-61). [32] Conforme Maria Sylvia Di Pietro, “um dos aspectos em que está presente o regime jurídico híbrido é exatamente o pertinente ao patrimônio da empresa. Como empresa privada, ela dispõe de bens particulares, inseridos no conceito do art. 98 do Código Civil; como tais, estão no comércio jurídico de direito privado, podendo ser objeto de qualquer relação jurídica regida pelo direito civil ou comercial, como alienação, locação, usucapião, direitos reais, inclusive os de garantia (penhor, anticrese e hipoteca). Mas, como empresa concessionária de serviço público, ela dispõe de bens que estão vinculados à prestação do serviço, sob pena de paralisação que infringe o princípio da continuidade. Esses bens estão submetidos a regime jurídico de direito público, da mesma forma que os bens de uso comum do povo e os bens de uso especial, referidos no art. 99 do Código Civil. Eles incluem-se na categoria de bens extra comercium, ainda que a lei não o diga expressamente; trata-se de característica inerente ao princípio da continuidade do serviço público. Como consequência, tais bens estão fora do regime jurídico privado, não podendo ser objeto de relações jurídicas regidas pelo direito civil ou comercial. Aliás, na Lei n° 8.987, existe expressa referência a essa categoria de bens, com o emprego inclusive da expressão ‘bens públicos’. Com efeito, no art. 7º, inclui-se entre os direitos e obrigações dos usuários o de ‘contribuir para a permanência das boas condições dos bens públicos através dos quais lhes são prestados os serviços’. Além disso, um dos aspectos concernentes ao regime jurídico público decorre da norma do art. 26 da mesma lei, ao determinar que, ‘nos contratos de financiamento, as concessionárias poderão oferecer em garantia os direitos emergentes da concessão, até o limite que não comprometa a operacionalização e a continuidade da prestação do serviço’. Fica evidente o intuito do legislador de preservar a afetação pública de uma parcela dos bens da concessionária.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. Rio de Janeiro: Forense, 2017).
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