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MONOPÓLIO E A DOUTRINA DA ESSENTIAL FACILITIES

  • Foto do escritor: Alexandre Lopes
    Alexandre Lopes
  • 17 de abr. de 2023
  • 19 min de leitura

Atualizado: 20 de abr. de 2023



1. Estímulos regulatórios que condicionaram o desenvolvimento do setor de telecomunicações e setor elétrico

Nos termos da Lei nº 13.116/2015,[1] o propósito do compartilhamento é o desenvolvimento socioeconômico do País, de forma a atender às metas sociais, econômicas e tecnológicas estabelecidas pelo poder público.

A desestatização dos serviços públicos de energia e telecomunicações promoveu a transferência para particulares da gestão dos bens afetados aos serviços públicos. A prestação do serviço foi transferida à iniciativa privada e as decisões estratégicas dos agentes econômicos são conformadas pelo desenvolvimento do setor, conforme os vetores regulatórios.

O desenvolvimento do setor de telecomunicações foi inspirado pelos seguintes vetores decorrentes da privatização: ampla promoção da competição, eliminação de barreiras à entrada, estímulo à multiplicidade de operadores e ofertas, incentivo à competição pelo preço, qualidade, atendimento e inovação de produtos, maior grau de autonomia e gestão conferido aos agentes regulados.

Apesar do estímulo ao compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações,[2] os agentes econômicos optaram pela duplicação de redes, como diferencial competitivo. O resultado do estímulo à competição reflete-se nos números do setor. A Agência Nacional de Telecomunicações mantém o registro de 18.266 prestadoras de serviços de comunicação multimídia (banda larga fixa).[3] Além dessas prestadoras de serviços de comunicação multimídia, como grandes demandantes por espaço nos postes, é possível ainda identificar outras prestadoras de serviços de telecomunicações que disputam a ocupação dos postes de energia elétrica.

No setor elétrico o desenvolvimento ocorreu condicionado por vetores regulatórios distintos. Destaca-se que a prestação dos serviços foi desmembrada em três atividades: geração, transmissão e distribuição de energia.

De fato, presencia-se também o estímulo à competição, porém, direcionado à desverticalização das atividades do setor, porém, as entidades responsáveis pela distribuição de energia elétrica não competem entre si, considerando a regra da demarcação geográfica da área de prestação atribuída para cada entidade.

O desenvolvimento do setor elétrico foi inspirado pelos seguintes vetores decorrentes da privatização: firme estabelecimento da regulação técnica ao se buscar a ocupação ordenada da infraestrutura e das redes, atendimento aos critérios de segurança, proteção aos consumidores de energia elétrica, por meio do controle da qualidade e controle de preços, em atenção à modicidade tarifária.

O serviço público de distribuição de energia elétrica é realizado por concessionárias, permissionárias e designada. Em 2021, a Agência Nacional de Energia Elétrica registrou a seguinte composição das entidades responsáveis pela distribuição de energia elétrica: 52 Concessionárias, 52 Permissionárias e 1 Designada, totalizando 105 agentes, entre públicos, privados e de economia mista, atuando no mercado de distribuição. Assim, essas 105 distribuidoras devem se relacionar com dezenas de milhares de prestadoras de serviços de telecomunicações, de todos os portes e configurações.

Nesse ambiente, as prestadoras de telecomunicações são estimuladas a construírem suas redes e muitas delas ocupam à revelia os postes. As justificativas relatadas pelas prestadoras de telecomunicações para essa ocupação à revelia podem ser assim agrupadas: desordem da ocupação já instalada, baixo custo relativo da fibra óptica e dificuldades de acesso às distribuidoras, o que resulta na demora da aprovação de projetos e altos preços cobrados pelo compartilhamento.


2. O compartilhamento e seus benefícios

O Poder Público considerou, na Lei Geral de Telecomunicações,[4] que o compartilhamento é um direito que deve ser observado pelo detentor da infraestrutura de serviço público.[5] A enunciação do direito ao compartilhamento tem relevância de interesse público e é condição indispensável da abertura da economia para um regime de concorrência.[6] Além disso, o direito ao compartilhamento potencializa a utilidade de determinada infraestrutura, promove a redução de custos e minimiza os impactos urbanísticos, paisagísticos e ambientais.[7]


3. A distribuição de energia elétrica como monopólio natural

Como visto, as entidades responsáveis pela distribuição de energia elétrica não competem entre si, o que caracteriza a existência do monopólio natural[8] do serviço de distribuição de energia elétrica. Em cada região geográfica delimitada existe apenas um prestador de serviço.

O monopólio natural ocorre quando os custos fixos para instalação de infraestrutura são extremamente altos em comparação ao custo marginal.[9] O custo de produção e distribuição de mais uma unidade é muito reduzido considerando o elevado custo de instalação da infraestrutura de suporte à prestação do serviço.[10]

Assim, por questões de política regulatória, a distribuição de energia elétrica é caracterizada como um monopólio natural, dada a inviabilidade de duplicação da rede de distribuição, seja por razões de caráter técnico (razões ambientais e urbanísticas), seja por razões de ordem econômica (ineficiências operacionais).[11]

A inviabilidade de duplicação[12] da rede de distribuição para o setor elétrico conformou o arranjo do mercado de distribuição, a partir da impossibilidade legal de se estabelecer, em regra, mais de uma distribuidora em uma mesma região geográfica.[13] De fato, uma única distribuidora pode fornecer o serviço a um custo menor do que duas ou mais.

No mercado de distribuição de energia elétrica, a eficiência alocativa de recursos e a maximização de resultados são alcançadas quando a exploração se dá em regime de exclusividade. Por tudo, a atividade econômica não comporta a prestação da distribuição por mais de um agente.


4. A qualidade de monopólio natural atribuída ao mercado de distribuição de energia elétrica é parcialmente transferida e reconhecida no compartilhamento dos postes

Sendo assim, no mercado de distribuição de energia elétrica, a duplicação da infraestrutura mostra-se ineficiente, o que deve motivar políticas regulatórias no sentido de estimular o compartilhamento e a utilização dos postes por diversos agentes, de forma a tornar mais barato os serviços, pois os custos fixos da construção e da manutenção da infraestrutura podem ser diluídos entre os diversos agentes.[14]

A qualidade de monopólio natural atribuída ao mercado de distribuição de energia elétrica é parcialmente transferida ao mercado do compartilhamento da ocupação nos postes de energia elétrica[15].

A existência de monopólio dos postes de energia elétrica exige a intervenção do Estado por meio da regulação, para lidar com as estruturas de mercado, o que importa na interferência nos mecanismos de formação de preço e condições de entrada. A existência de monopólio natural exige a proteção dos “consumidores” do produto ou serviço ofertado.[16]


5. A doutrina da essential facility

O reconhecimento do monopólio natural da infraestrutura de rede fez surgir a doutrina da essencial facility,[17] segundo a qual o monopolista tem o dever de fornecer e de compartilhar a infraestrutura que detém com outros agentes econômicos.[18] Desse modo, a empresa dominante, monopolista, deve agir de modo equitativo (não discriminatório) com relação a outras empresas que dependam da infraestrutura essencial para a prestação de serviço.

A doutrina da essential facility tem aplicação quando o acesso à estrutura disputada é de difícil duplicação e essencial para a atuação no mercado à jusante, dependente da infraestrutura. Sua aplicação tem como efeito a obrigatoriedade da oferta da infraestrutura essencial pelo seu detentor, considerando que o acesso é um gargalo para a atuação de outras empresas.[19] Não é necessário que a detentora da infraestrutura essencial atue no mercado à jusante e, portanto, não é necessário que essa detentora seja verticalmente integrada.

Para aplicação da doutrina da essential facility é necessária a ocorrência de duas condições cumulativas: (1) a infraestrutura deve ser insumo essencial à prestação de serviços por outros agentes econômicos; (2) deve ser identificada a existência de dificuldade técnica e econômica de duplicação da infraestrutura, em razão dos elevados custos fixos afundados requeridos. Assim, não é razoável se exigir a duplicação da infraestrutura.

Diante das condições, o detentor da infraestrutura deve fornecer o acesso, desde que ocorra a disponibilidade, ou seja, ele deve ofertar a capacidade excedente da infraestrutura.


6. A obrigatoriedade do compartilhamento como resultado da aplicação da doutrina da essential facility

Diante das ‘falhas de mercado’ que impedem a competição, a regulação se legitima ao estabelecer a obrigatoriedade pelo compartilhamento.[20] O Estado passa, então, a promover o direito ao acesso aos postes, de forma a viabilizar os objetivos e as políticas de competição estabelecidos para o mercado de telecomunicações.[21]

Ao identificar o direito ao compartilhamento, o Estado reconhece o relevante custo de manutenção da rede para a prestação do serviço de telecomunicações. Assim, nos termos da Lei Geral de Telecomunicações, apresenta-se a vedação à discriminação do preço e demais condições de acesso ao poste, por prejudicar e até mesmo inviabilizar a justa competição no mercado de telecomunicações.


7. Cautela na aplicação da doutrina da essential facility

A aplicação da teoria da essential facility deve ser considerada com a devida cautela, considerando-se que a imposição do compartilhamento é uma interferência drástica no mercado.

O detentor da infraestrutura tem o dever de permitir o acesso a outros agentes econômicos que não participaram da construção da infraestrutura. Por isso, alguns autores sugerem que a teoria deveria ser mitigada[22] ou até mesmo abandonada[23] e o acesso poderia ser concedido mediante a análise do caso concreto, por meio de instrumentos do direito da concorrência, diante da evidência de condutas anticompetitivas.

No caso do compartilhamento dos postes, porém, o direito antitruste não é adequado à resolução dos problemas da ocupação.

De fato, a teoria da essential facility deve ser aplicada com temperamentos, mas não por questões relacionadas ao direito antitruste, e sim em razão da necessidade da análise concreta da viabilidade da duplicação, a ser estudada em cada situação. Isso porque não é em todo lugar que a rede de energia elétrica pode ser considerada essential facility para os serviços de telecomunicações.

A negativa de acesso pode ser legítima, portanto, se houver a comprovação da ausência de disponibilidade diante da saturação da ocupação, considerando a infraestrutura já instalada. E mais, a saturação da ocupação pode, em determinados casos, ser um forte indicativo da necessidade de busca por outros meios de acesso e até mesmo o enterramento da infraestrutura.

Nesse sentido, o ônus de provar a recusa legítima é do próprio distribuidor, em razão da maior facilidade de prova (distribuição dinâmica do ônus da prova), porém, ainda que comprovada a indisponibilidade, diante da inexistência de capacidade excedente, os agentes mantêm a responsabilidade por encontrar novos meios de prestação.

Com efeito, a mera alegação de indisponibilidade privilegia os prestadores de telecomunicações já instalados, simplesmente pelo fato de terem sido os primeiros. Sem embargo, o critério da primeira ocupação não é coerente com o mercado competitivo, sendo necessário o estabelecimento de novos arranjos e diligências para permitir a otimização da ocupação, bem como o ‘compartilhamento’ de custos para a efetiva construção de novos meios capazes de suportar a demanda em regiões densamente povoadas.

Não cabe ao presente estudo o desenvolvimento de soluções gerais. Tais respostas não podem ser generalizadas. A necessidade de criação de meios alternativos depende da conjuntura e realidade do lugar, grau de relevância e poder de mercado dos agentes, adaptação tecnológica e avaliação periódica.

Nesse sentido, aponta-se a necessidade do direcionamento regulatório, por meio da resolução administrativa de conflitos, para se avaliar a situação em cada caso concreto específico.

No caso, a resolução de conflitos demandará o chamamento ao processo dos agentes que ocupam os postes e da própria distribuidora detentora da infraestrutura de suporte, para que seja possível a construção de uma solução concertada, apta a considerar a diluição de custos e o compartilhamento intrassetorial (entre os próprios agentes de telecomunicações).[24] Para tanto, as instituições associativas podem ser agentes relevantes na construção de soluções adequadas, sobretudo patrocinando interesses de prestadoras de menor porte.


______________________

[1] Lei nº 13.116/2015, art. 1º: “Esta Lei estabelece normas gerais aplicáveis ao processo de licenciamento, instalação e compartilhamento de infraestrutura de telecomunicações, com o propósito de torná-lo compatível com o desenvolvimento socioeconômico do País. § 1º A gestão da infraestrutura de que trata o caput será realizada de forma a atender às metas sociais, econômicas e tecnológicas estabelecidas pelo poder público.” (BRASIL. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 13.116, de 20 de abril de 2015. Estabelece normas gerais para implantação e compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações e altera as Leis n º 9.472, de 16 de julho de 1997, 11.934, de 5 de maio de 2009, e 10.257, de 10 de julho de 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13116.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [2] A Resolução nº 590/2012 aprovou o regulamento de exploração industrial de linha delicada (EILD). A EILD é realizada mediante a colocação da linha dedicada à disposição da entidade solicitante, permitindo assim o amplo acesso às redes. (ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações. Resolução nº 590, de 15 de maio de 2012. Aprova o Regulamento de Exploração Industrial de Linha Dedicada – EILD. Disponível em: https://informacoes.anatel.gov.br/legislacao/resolucoes/2012/332-resolucao-590. Acesso em: 29 set. 2021). [3] São 11.332 autorizadas de serviço de comunicação multimídia (banda larga fixa) e 6.934 prestadoras de serviços de comunicação multimídia titulares de dispensa de autorização, conforme informações fornecidas pela Anatel: ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações. Outorga e licenciamento. Disponível em: https://informacoes.anatel.gov.br/paineis/outorga-e-licenciamento. Acesso em: 29 set. 2021. [4] Lei nº 9.472/1997, art. 73. “As prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilização de postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadora de serviços de telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis. Parágrafo único. Caberá ao órgão regulador do cessionário dos meios a serem utilizados definir as condições para adequado atendimento do disposto no caput” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9472.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [5] Maria Sylvia Zanella Di Pietro assevera que “o artigo 73 da Lei Geral de Telecomunicações, ao assegurar o direito de uso para as prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, automaticamente impõe às demais prestadoras de serviços de telecomunicações ou de outros serviços de interesse público o dever de permitir o uso, não criando embaraços ao uso compartilhado. Trata-se de obrigação imposta compulsoriamente a todas as empresas que prestem serviços públicos ou de interesse público, mesmo que não sejam serviços de telecomunicações, abrangendo inclusive concessionárias de serviços estaduais e municipais.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Compartilhamento de infraestrutura por concessionárias de serviços públicos. Fórum Administrativo Direito Público FA, Belo Horizonte, ano 2, nº 11, jan. 2002). [6] Alexandre Wagner Nester, “o compartilhamento de infra-estruturas e redes (e mesmo de outros bens) pode caracterizar, em determinadas circunstâncias, condição indispensável para a abertura de setores da economia para um regime de concorrência regulada. O direito de acesso à infraestrutrura já estabelecida, em condições isonômicas e não discriminatórias, mediante o pagamento de uma contraprestação adequada e justa, constitui verdadeiro princípio geral do Direito Antitruste.” (NESTER, Alexandre Wagner. Regulação e concorrência, compartilhamento de infra-estruturas e redes. São Paulo: Dialética, 2006. p. 300). [7] “EMENDA: RECURSO ESPECIAL. COMPARTILHAMENTO DE INFRAESTRUTURA POR CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS. LOCAÇÃO DE ÁREA PARA ESTAÇÃO DE TELEFONIA CELULAR. SOLICITAÇÃO À LOCATÁRIA DE COMPARTILHAMENTO DE INFRAESTRUTURA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE TÉCNICO. CARÁTER COMPULSÓRIO. CARACTERIZAÇÃO DE SUBLOCAÇÃO. DESCABIMENTO. SERVIDÃO ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA DE REDUÇÃO DO POTENCIAL DE EXPLORAÇÃO ECONÔMICA DO BEM IMÓVEL LOCADO. INDENIZAÇÃO. INVIABILIDADE. 1. O art. 73, parágrafo único, da Lei n. 9.472/1997 estabelece que, consoante regulamento infralegal emitido pelo Órgão regulador do cessionário, as prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilização de postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadora de serviços de telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis. 2. Com efeito, a Resolução n. 274/2001 da Anatel instituiu o Regulamento para disciplinar o compartilhamento de infraestrutura entre prestadoras de serviços de Telecomunicações, prevendo que só pode ser negado por razões de limitação na capacidade, segurança, estabilidade, confiabilidade, violação de requisitos de engenharia ou de cláusulas e condições estabelecidas pela Anatel. 3. O compartilhamento de infraestrutura tem relevância de interesse público, pois propicia que haja barateamento dos custos do serviço público; minimização dos impactos urbanísticos, paisagísticos e ambientais; condições a ensejar a cobrança de tarifas mais baixas dos consumidores; fomento à concorrência, expansão e melhoria da cobertura da rede de telefonia. 4. Os bens que integram a rede de telecomunicações, embora pertencentes a determinada empresa, cumprem função social, uma vez que seu uso é garantido, por lei, a outras empresas que dele necessitem. A liberdade de contratar e o próprio conteúdo do contrato entre as empresas, tendo por objeto o compartilhamento de uso de infraestrutura, ficam limitados pela regulação legal e infralegal, que estabelece obrigação compulsória. 5. O contrato derivado de sublocação se forma pelo consentimento das partes, e o princípio fundamental em matéria contratual reside no fato de que ninguém é obrigado a contratar e, se o faz, celebra a avença com quem desejar e da forma em que combinaram. Dessarte, não há como conferir caráter de sublocação à operação, tampouco considerar ilícito contratual o compartilhamento de infraestrutura efetuado pela concessionária de serviço público locatária. 6. O direito de uso previsto no artigo 73 da Lei Geral de Telecomunicações constitui servidão administrativa instituída pela lei em benefício das prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, constituindo-se direito real de gozo, de natureza pública, a ser exercido sobre bem de propriedade alheia, para fins de utilidade pública. 7. Em vista da característica de servidão administrativa, só haveria de cogitar-se em indenização se houvesse redução do potencial de exploração econômica do bem imóvel – o que não ocorre, visto que a autora está recebendo regularmente aluguéis, que não são em nada prejudicados pelo uso compartilhado da infraestrutura pertencente à locatária. 8. Recurso especial provido.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 201200071708. Compartilhamento de infraestrutura por concessionários de serviços públicos. Locação de área para estação de telefonia celular. Solicitação à locatária de compartilhamento de infraestrutura. Inexistência de óbice técnico. Caráter compulsório. Caracterização de sublocação. Descabimento. Servidão administrativa. Inexistência de redução do potencial de exploração econômica do bem imóvel locado. Indenização. Inviabilidade. Relator: Luis Felipe Salomão. Dj: 26/09/2017. Publicação 20/10/2017). [8] Conforme Varian, o monopólio natural “[...] caracteriza-se quando a indústria envolve custos fixos muito grandes e um custo marginal muito baixo para ofertar unidades extras. Nesse tipo de indústria, uma única firma pode oferecer um bem ou serviço para todo um mercado a um custo menor que duas ou mais.” (VARIAN, Hal R. Microeconomia – princípios básicos. Rio de Janeiro: Campus, 2000). [9] Segundo Leandro Garcia Meyer, o custo marginal é o “valor incorrido pela firma para a produção de uma unidade a mais de um determinado produto.” (MEYER, Leandro Garcia. Relação entre preço e custo marginal na indústria brasileira. 2012. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Economia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. p. 19. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/96/96131/tde-25062012-162714/pt-br.php. Acesso em: 29 set. 2021). [10] Para Fábio Nusdeo, “monopólio natural corresponde na maioria das vezes a uma atividade na qual os custos de produção fixos, representados, sobretudo pela maquinária, instalações e base territorial são desproporcionalmente elevados em relação aos custos variáveis, correspondentes principalmente a matérias primas, energia e mão de obra. […] Seus custos em regime de monopólio são assim inferiores àqueles em que incorreriam várias empresas, individualmente, num mercado competitivo, pois a alta proporção dos custos fixos exige a produção em grande escala, e o mercado somente absorve a oferta de uma empresa naquele nível de produção.” (NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao Direito Econômico. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 274). [11] De acordo com Vitor Rhein Schirato, monopólios naturais são “infraestruturas cuja duplicação pode não ser viável, seja por razões de caráter econômico, seja por razões de caráter técnico (nas quais inserimos as razões ambientais, urbanísticas e relacionadas ao uso de bens públicos, como exporemos). Ou seja, nos casos em que a exploração de uma determinada atividade demandar um monopólio natural, haverá, com relação à propriedade e à operação de tal monopólio, uma exclusividade necessária do agente econômico”. (SCHIRATO, Vitor Rhein. Livre iniciativa nos serviços públicos. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 213). [12] A impossibilidade de duplicação é classificada como uma barreira à entrada, definida como qualquer fator em um mercado que ponha um potencial competidor eficiente em desvantagem com relação aos agentes econômicos estabelecidos. Os seguintes fatores constituem importantes barreiras à entrada: (a) custos irrecuperáveis; (b) barreiras legais ou regulatórias; (c) recursos de propriedade exclusiva das empresas instaladas; (d) economias de escala e/ou de escopo; (e) o grau de integração da cadeia produtiva; (f) a fidelidade dos consumidores às marcas estabelecidas; e (g) a ameaça de reação dos competidores instalados. (MINISTÉRIO DA FAZENDA; MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Portaria Conjunta SEAE/SDE nº 50, de 1º de agosto de 2001. Guia para análise econômica de atos de concentração horizontal. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/normas-e-legislacao/portarias/2001portariaConjunta50-1_guia_para_analise_economica_de_atos_de_concentracao.pdf. Acesso em: 29 set. 2021). [13] Conforme Marçal Justen Filho, “[m]onopólio natural é uma situação econômica em que a duplicação de operadores é incapaz de gerar a redução do custo da utilidade. O monopólio natural envolve, geralmente, hipóteses de custos fixos (atinentes à infraestrutura necessária à produção da utilidade) muito elevados. A duplicação das infraestruturas conduziria a preços unitários mais elevados do que a exploração por um único agente econômico. Ou seja, quanto maior o número de usuários do sistema, menor o custo para fornecer outras prestações.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 744). [14] Conforme Patrícia Regina Pinheiro Sampaio, “o fornecimento de energia elétrica constitui, em grande parte, um setor de infraestrutura caracterizado como monopólio natural. Dado os elevados custos iniciais e afundados atrelados à transmissão e à distribuição, tem-se que um único agente econômico atuando nesses segmentos mostra-se mais eficiente do que dois ou mais, cada um tendo que construir, operar e manter a sua própria rede. Esclarece-nos a economia que, em mercados caracterizados como monopólio natural, a duplicação da infraestrutura que seria, em princípio, necessária à introdução da competição, mostra-se ineficiente. [...] os setores de infraestrutura geralmente caracterizam-se como infraestrutura de rede, que são aquelas nas quais o ingresso de novos consumidores mostra-se importante para agregar valor ao serviço prestado ao todo. Quanto mais agentes econômicos utilizam a mesma estrada, a mesma ferrovia, a mesma rede de saneamento ou de energia elétrica, mais útil é a rede e mais barato o serviço tende a se tornar, pois os custos fixos da construção e da manutenção da infraestrutura podem ser diluídos entre mais pessoas.” (SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro. A tutela da concorrência no setor de energia elétrica. In: ROCHA, Fábio Amorim. Temas relevantes no direito de energia elétrica. Rio de Janeiro: Synergia, 2012. p. 234-235). [15] Os pontos de fixação dos postes integram o mercado a um relevante produto do compartilhamento, de acordo com análise empreendida pela Superintendência-Geral do CADE: “56. Quanto à definição de mercado relevante do ponto de vista do produto, trata-se do compartilhamento de pontos de fixação dos postes de energia elétrica (“postes de energia elétrica”), que constituem uma rede aérea de suporte da estrutura física de cabos utilizada pela Representante na prestação de serviço de TV a cabo. [...] 58. Quanto à definição do mercado relevante do ponto de vista geográfico observa-se que, do lado da oferta, a Eletropaulo detém o monopólio da infraestrutura de postes de energia em sua área de concessão, que compreende um total de 24, municípios paulistas. 59. Deve ser ponderado, entretanto, que do ponto de vista da demanda da infraestrutura, a Representante detém o direito de explorar, mediante uma concessão, a área de prestação correspondente aos perímetros de apenas cinco municípios paulistas: Cotia, Embu, Itapecerica da Serra, Taboão da Serra e Ribeirão Pires. 60. Considerando (i) a manifestação do DPDE, de fls. 309/310 e (ii) a análise de mercado acima exposta, conclui-se que o mercado relevante em questão compreende o compartilhamento de infraestrutura de pontos de fixação de postes de energia elétrica nos municípios paulistas de Cotia, Embu, Itapecerica da Serra, Taboão da Serra e Ribeirão Pires.” (CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo CADE nº 08012.002716/2001-11. p. 2090. Disponível em: https://sei.cade.gov.br/sei//modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?0c62g277GvPsZDAxAO1tMiVcL9FcFMR5UuJ6rLqPEJuTUu08mg6wxLt0JzWxCor9mNcMYP8UAjTVP9dxRfPBcWVJ37aimOmrMu5CwT4wG59nu9G8hD2IFuOsBn2d5t4v. Acesso em: 22 out. 2021). [16] Para Nusdeo, “[a] existência de monopólios naturais exige a proteção dos consumidores contra os seus malefícios, o que leva à inescapável necessidade de regulação, para lidar com essas estruturas de mercado. As formas mais comumente adotadas no caso de monopólios naturais são a nacionalização das empresas atuantes no setor e/ou a criação de órgãos reguladores especiais, quando mantidas elas no campo privado. Em termos substantivos, isso implica o restabelecimento de mecanismos diretos ou indiretos de preços administrados e o controle da entrada de novos agentes no setor, a fim de permitir o aproveitamento dos ganhos de eficiência, presumivelmente associados à exploração da atividade por apenas uma única unidade econômica. Nesses casos extremos não se pode falar em concorrência, muito embora existam casos intermediários onde ela se mostra viável e deve ser estimulado pelos reguladores.” (NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 275) [17] “Esta situação peculiar das prestadoras de serviços em termos de posição dominante ou de monopólio natural é bem conhecida e largamente discutida e regulada na legislação comparada nos Estados Unidos, o Sherman Antitrust Act, promulgado quase uma década depois da invenção do telefone por Graham Bell, conquistou bem a propósito de sua progressiva disseminação um extraordinário processo de modelação às peculiaridades do serviço. O resultado de uma dessas modelações é a essential facilities doctrine. Esta doutrina requer de uma empresa ocupando posição monopolística ou posição dominante em seu próprio mercado, que ela aja de modo equitativo (não discriminatório) com relação a empresas que concorram em mercados adjacentes e que dela dependem para a obtenção de insumos essenciais. A preocupação é com a possibilidade de que um monopólio ou um duopólio ou uma posição dominante, em um mercado relevante, se estenda a outro mercado ou que, presente em um estágio de produção, alcance um outro. Originariamente, a doutrina nasceu em uma decisão de 1912 da Suprema Corte norte-americana e que se referia à posição de proprietários de uma empresa de transportes ferroviários. Quatro fatores foram então qualificados na caracterização da responsabilidade por danos à concorrência em termos da essential facilities doctrine: a) o controle de insumo, essencial no mercado fornecido, por um monopolista ou duopolista ou detentor de posição dominante no mercado fornecedor; b) a incapacidade de um competidor no mercado fornecedor, praticamente ou razoavelmente, de duplicar o insumo essencial; c) a eventual negação ou imposição de dificuldades de uso do insumo essencial a um competidor no mercado fornecido pelo fornecedor e d) a factibilidade de se prover o insumo.” (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio; MARANHÃO, Juliano Souza de Albuquerque. Competência da Anatel para a regulação de mercados adjacentes aos serviços de telecomunicações: o mercado de listas telefônicas. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 1, nº 2, 2003). [18] Conforme Alexandre Wagner Nester: “o instituto jurídico segundo o qual se assegura a determinados agentes econômicos, mediante o pagamento de um preço justo, o exercício do direito de acesso às infra-estruturas e redes já estabelecidas (assim como determinados insumos e bens), que são indispensáveis para o desenvolvimento da sua atividade econômica, cuja duplicação é inviável, e que se encontram na posse de outros agentes (normalmente em regime de monopólio natural), seus potenciais concorrentes. A esse direito de acesso corresponde uma obrigação específica do detentor de infra-estrutura de ceder o acesso ao terceiro, em termos não discriminatórios e razoáveis, a fim de viabilizar os objetivos e políticas de concorrência preconizados pelo Estado.” (NESTER, Alexandre Wagner. Regulação e concorrência, compartilhamento de infra-estruturas e redes. São Paulo: Dialética, 2006. p. 226). [19] OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ou Económico. Policy Roundtables – The Essential Facilities Concept. Paris: OCDE, 1996. Disponível em: http://www.oecd.org/competition/abuse/1920021.pdf. Acesso em: 29 set. 2021. [20] Para Rafael Oliveira, “a regulação, nesses casos, justifica-se em razão das limitações e falhas do mercado, tendo em vista que as instalações essenciais [essential facilities] são monopolizadas (monopólios naturais). O objetivo do regulador é a criação de um espaço possível e saudável de competição, mediante a aplicação do ‘princípio da obrigatoriedade de interconexão’ ou do livre acesso às redes (‘indústrias de rede’), em razão dos quais os operadores devem possibilitar aos demais agentes econômicos o acesso às redes de transporte e distribuição, como acontece com o gás, a eletricidade, as telecomunicações etc. [...] A partir do compartilhamento, os custos de criação e de manutenção dessas infraestruturas tornam-se economicamente mais brandos, bem como possibilita a prestação dos serviços em caráter competitivo, quando se mostra inviável, sob o aspecto físico ou econômico, a duplicação da própria infraestrutura” (OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Novo perfil da regulação estatal: administração pública de resultados e análise de impacto regulatório. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 170). [21] Conforme Alexandre Wagner Nester, “a opção que se faz é pelo conceito que compreende a essential facility doctrine como o instituto jurídico segundo o qual se assegura a determinados agentes econômicos, mediante o pagamento de um preço justo, o exercício do direito de acesso às infraestruturas e redes já estabelecidas (assim como a determinados insumos e bens), que são indispensáveis para o desenvolvimento da sua atividade econômica, cuja duplicação é inviável, e que se encontram na posse de outros agentes (normalmente em regime de monopólio natural), seus potenciais concorrentes. A esse direito de acesso corresponde uma obrigação específica do detentor da infraestrutura de ceder o acesso ao terceiro, em termos não discriminatórios e razoáveis, a fim de viabilizar os objetivos e políticas de concorrência preconizado pelo Estado.” (NESTER, Alexandre Wagner. Regulação e concorrência: compartilhamento de infra­estruturas e redes. São Paulo: Dialética, 2006. p. 226). [22] Phillip Areeda aponta a necessária cautela na aplicação da teoria da essential facility: “We have to be very wary about examining the decisions of each of those firms in our economy, particularly when anything one has that another wants may be called an ‘essential facility’. Nor can we take any comfort from the suggestion that the essential facilities doctrine will apply only to true monopolies, which are rare” (AREEDA, Phillip. Essential Facilities: An Epithet in Need of Limiting Principles. Antitrust Law Journal, v. 58, nº 3, p. 841-853, 1989. p. 844). [23] Hovenkamp sugere o abandono da teoria da essential facility: “The so-called essential facility doctrine is one of the most trouble some, incoherent and unmanageable of bases for Sherman Section 2 liability. The antitrust world would almost certainly be a better place if it were jettisoned, with a little fine tuning of the general doctrine of the monopolist’s refusal to deal to fill in the resulting gaps” (apud MAURER, Stephen M.; SCOTCHMER, Suzanne. The Essential Facility Doctrine: The Lost Message of Terminal Railroad. Preliminary Draft, October 20, 2013. Disponível em: https://law.utexas.edu/wp-content/uploads/sites/25/Maurer-and-Scotchmer-UTA-Oct-20131.pdf. Acesso em: 22 out. 2021). [24] É possível, por exemplo, que um mesmo cabo transporte diversas fibras ou o lançamento de fibra óptica espinada.


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