A NATUREZA DA RELAÇÃO JURÍDICA DECORRENTE DO COMPARTILHAMENTO DOS POSTES
- Alexandre Lopes
- 18 de abr. de 2023
- 15 min de leitura
Atualizado: 20 de abr. de 2023
O art. 73 da Lei nº 9.472/1997 reconhece o direito subjetivo das prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo ao uso compartilhado da infraestrutura. Na doutrina, Calixto Salomão Filho[1] escreve com clareza sobre esse aspecto, informando que o prestador de serviços de telecomunicações tem o direito de exigir o compartilhamento de qualquer detentor de infraestrutura, considerada essencial à prestação de serviços a preços e condições justos, razoáveis e não discriminatórios.
O Direito Brasileiro contém princípio geral nesse sentido, constante do art. 73 da lei geral de telecomunicações, segundo o qual qualquer prestador de serviço de interesse coletivo tem o direito de utilizar a infra-estrutura de outros prestadores de serviços de interesse público, de telecomunicações ou não, para construir suas redes, a preços e condições justos e razoáveis. Qualquer prestador de serviço de telecomunicações de interesse coletivo tem, portanto, o direito de exigir de qualquer empresa que explore serviços de interesse público – não só telecomunicações, mas também energia elétrica, gás e petróleo e rodoviário, por exemplo – que permita a instalação de redes e equipamentos de telecomunicações em postes, dutos, condutos, e servidões desses últimos.
1. As três relações jurídicas inerentes ao compartilhamento dos postes
O compartilhamento dos postes de energia elétrica revela a existência de três relações jurídicas. A primeira relação consiste na outorga dos serviços de telecomunicações, isto é, diz respeito à relação entre a Anatel e o prestador de serviços de telecomunicações de interesse coletivo. A relação jurídica entre o poder concedente e o autorizado do serviço de telecomunicações é regida pelas normas setoriais, contrato de concessão ou ato de autorização. Trata-se de uma relação de direito público.
A segunda relação consiste na outorga dos serviços de distribuição ou transmissão de energia elétrica. A relação ocorre entre a Aneel e a transmissora ou distribuidora de energia elétrica, delegatária da exploração do serviço e dos bens afetados à finalidade pública. Igualmente, a relação é de direito público.
A terceira relação jurídica ocorre entre a prestadora de serviços de telecomunicações e a distribuidora ou transmissora de energia elétrica. Os dois agentes econômicos são prestadoras de serviços públicos.
O serviço de telecomunicações é uma atividade qualificada por regime público, se trata de uma atividade originalmente reservada o Poder Público, de titularidade da União.
Existe um interesse público no provimento dos serviços de telecomunicações. Essa afirmação é relevante para a resposta às questões propostas no presente estudo. O acesso ao poste dirigido aos prestadores de serviços de telecomunicações é condicionado pela natureza do regime e pela qualidade dos serviços concedidos aos particulares. Esse regime modula a forma de intervenção do Estado ao estabelecer as condições e os preços do compartilhamento.
2. O regime da relação entre prestadoras de telecomunicações e distribuidoras de energia elétrica
As normas setoriais indicam que o compartilhamento dos postes é formalizado mediante contrato celebrado entre o detentor da infraestrutura e as prestadoras de serviços de telecomunicações.
Nos termos do art. 21 do anexo à Resolução Conjunta Aneel/Anatel/ANP n° 001, de 24 de novembro de 1999,[2] as condições de compartilhamento devem ser livremente negociadas entre os agentes econômicos.
Conforme a proposta de revisão da regulamentação, nos termos da resolução conjunta objeto da Consulta Pública Aneel nº 73/2021[3], a Aneel estabelecerá em ato próprio o preço pela utilização de Ponto de Fixação para o compartilhamento de infraestrutura, como estabelecido no art. 19 da Minuta de Resolução Conjunta[4].
Conforme o capítulo anterior deste estudo, o mercado do compartilhamento tem características de monopólio natural, o que justifica a aplicação da teoria da essential facility.
O fato de a norma setorial indicar que as condições de compartilhamento serão livremente negociadas não determina que efetivamente ocorrerá a negociação; na prática, a detentora do poste apresenta um contrato de adesão com as condições de compartilhamento previamente fixadas.
O compartilhamento de infraestrutura entre prestadoras de serviços de telecomunicações é previsto no artigo 73 da Lei nº 9.472/1997, mesmo diploma que estabelece o dever do compartilhamento dos postes.[5]
Diante do dever do compartilhamento é possível questionar a natureza da relação entre a prestadora de telecomunicações e a detentora da infraestrutura. Daí a pertinência do questionamento, a dúvida se o contrato de compartilhamento poderia ser qualificado como um contrato coativo.
3. A relação de compartilhamento como contrato coativo
Os contratos coativos são caracterizados pela intensa regulação, o que reduz a liberdade contratual e a própria liberdade de contratar, em razão das disposições impostas pelo Poder Público, que passa a definir a necessária uniformidade do preço e das demais condições inerentes ao contrato.
Conforme Silvio Venosa,[6] podem ser classificados como contratos coativos a relação entre as concessionárias do serviço público de fornecimento de água, luz, esgoto, gás, telecomunicações e o usuário, que não tem alternativas para usufruir dos serviços essenciais prestados pela concessionária.
Segundo Orlando Gomes, os contratos coativos se caracterizam pela existência de duas ordens que devem ser aceitas pelas partes, a primeira marcada pelas cláusulas regulamentares, que necessariamente integram o contrato e a segunda pelas cláusulas passíveis de negociação.[7]
A partir do estudo do contrato coativo é possível perceber que essa classificação tem origem na necessidade de qualificar um contrato de adesão em razão do serviço público oferecido ao consumidor. Esse tipo de contrato é imposto, forçado. O concerto entre as partes é uma ficção, tanto pelo consumidor, que é obrigado a contratar para utilizar o serviço essencial, como para o prestador, que deve fornecer o serviço público.[8]
Nesse sentido, entende-se que o contrato de compartilhamento não se caracteriza como um contrato coativo, ainda que presente a imposição legal de compartilhamento dirigida ao detentor da infraestrutura e apesar da mitigação do livre consentimento das partes aos ditames da regulamentação.
O contrato de compartilhamento não é um contrato tradicional de cessão de uso ou locação. Existem elementos característicos que condicionam e interpretam a relação de compartilhamento.
A forma de manifestação da vontade, os limites da regulação setorial e a própria natureza do bem compartilhado indicam a existência de características próprias de direto real à relação de compartilhamento. Daí o pertinente questionamento, a dúvida se a relação de compartilhamento não é propriamente um contrato, mas servidão administrativa.
4. A relação de compartilhamento como servidão administrativa
A servidão administrativa é definida como uma limitação à propriedade, em razão da necessária satisfação a um interesse público. A servidão não é caracterizada pela desapropriação do bem, mas pela restrição à sua disposição, em benefício de um interesse ou serviço público.[9]
A servidão administrativa impõe um dever de suportar, instituído por lei. Conforme julgado do Superior Tribunal de Justiça, se não é a lei que afeta a propriedade, mas as circunstâncias importem no gravame real, caberá indenização ao proprietário do bem alcançado.[10] Percebe-se que o poste é um bem público, afetado ao serviço de distribuição de energia elétrica, porém, gravado e condicionado, pela lei, ao compartilhamento, para exploração dos serviços de telecomunicações. O compartilhamento tem, portanto, características de direito real de gozo, de natureza pública, a ser exercido sobre bem de propriedade alheia, para fins de utilidade pública.
Em sentido equivalente, o Superior Tribunal de Justiça, em decisão expedida no REsp nº 1309158/RJ,[11] esclareceu que o compartilhamento revela limitada liberdade de contratar em atenção à regulação legal e infralegal, que estabelece a obrigação compulsória do compartilhamento, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis.
Assim, o acesso só pode ser negado por razões de limitação na capacidade, segurança, estabilidade, confiabilidade, violação de requisitos de engenharia ou de cláusulas e condições estabelecidas pela regulação. Por essa razão, conforme o Superior Tribunal de Justiça, o direito ao compartilhamento constitui servidão administrativa, direito real de gozo, de natureza pública, em benefício das prestadoras de serviços de telecomunicações.
É usual a referência ao compartilhamento de postes como um contrato, porém, a relação jurídica que se estabelece entre o ocupante e o detentor do poste apresenta certas características incompatíveis com um simples contrato de locação ou cessão.
A ausência da capacidade volitiva para caracterizar o contrato de locação desnatura a relevância da manifestação de vontade inerente aos contratos, isso porque a distribuidora de energia elétrica tem o dever de compartilhar. O compartilhamento não é resultado de uma obrigação pactuada e dirigida pela vontade de contratar, mas é originado primariamente pela lei, que estabelece o dever de compartilhar.[12]
5. A relação híbrida do compartilhamento (contrato e servidão)
Existem elementos na relação de compartilhamento que são próprios de um contrato e de fato existe a necessidade de provocação e ânimo das partes, sem os quais não ocorrerá compartilhamento. A relação de compartilhamento não é totalmente aderente ao regime das servidões administrativas.
Existem, porém, elementos na relação de compartilhamento que não são aderentes ao contrato, mas próprios da servidão administrativa, sobretudo, diante das características do bem público, afetação aos serviços, monopólio natural e aplicação da teoria da essential facility, além de todos os elementos previamente apresentados no presente estudo.
Em setores regulados, sobretudo diante do monopólio da infraestrutura de suporte essencial, a função social e a consideração das externalidades[13] da relação devem prevalecer na interpretação e modulação dos efeitos do compartilhamento.[14]
A complexidade da natureza da relação de compartilhamento não se acomoda a uma única definição. Entende-se que o compartilhamento dos postes é formalizado por meio de um contrato autorizado,[15] por depender da aprovação das agências reguladoras. Trata-se de um contrato híbrido, com elementos que justificam a intervenção do Estado e cláusulas regulamentares impostas pela regulamentação setorial.
Com efeito, o compartilhamento sofre a influência de intervenções voltadas justamente à consecução dos interesses públicos e adequação às políticas públicas, sobretudo em setores regulados.[16]
6. Da relação de compartilhamento decorre a natureza da remuneração pelo compartilhamento
Nesse ambiente complexo e multifacetado do compartilhamento, a discussão sobre o preço é inafastável, inerente ao próprio direito do acesso aos postes. O preço pode ser um impeditivo à prestação dos serviços de telecomunicações e a ausência de controle sobre os preços de acesso aos postes poderia inviabilizar o acesso propriamente dito.
O monopólio natural do mercado conduz o inafastável poder de mercado de titularidade do detentor da infraestrutura. O monopolista, como agente econômico, busca a eficiência econômica e a maximização de lucros; nesse sentido, pode impor, eventualmente, um preço impeditivo a justificar a intervenção regulatória. De nada adianta assegurar a tese do acesso se, na prática, o preço é apontado como economicamente inviável.[17]
Nesse cenário, faz-se necessário o estudo da natureza da remuneração decorrente do compartilhamento.
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[1] SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos). São Paulo: Malheiros, 2001. p. 65. [2] Anexo à Resolução Conjunta Aneel/Anatel/ANP n° 001/1999, art. 21: “Os preços a serem cobrados e demais condições comerciais, de que trata o inciso IV do artigo 20, podem ser negociados livremente pelos agentes, observados os princípios da isonomia e da livre competição. Parágrafo único. Os preços pactuados devem assegurar a remuneração do custo alocado à infra-estrutura compartilhada e demais custos percebidos pelo Detentor, além de compatíveis com as obrigações previstas no contrato de compartilhamento.” (ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica; ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações; ANP – Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Resolução Conjunta nº 1, de 24 de novembro de 1999. Aprova o Regulamento Conjunto para Compartilhamento de Infra-Estrutura entre os Setores de Energia Elétrica, Telecomunicações e Petróleo. Disponível em: http://www2.aneel.gov.br/cedoc/res1999001cj.pdf. Acesso em: 29 set. 2021). [3] ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica. Consulta Pública nº 073/2021. Consulta pública para obter subsídios para a Avaliação de Impacto Regulatório – AIR e da proposta de aprimoramentos da regulamentação relativa ao compartilhamento de infraestrutura entre os setores de distribuição de energia elétrica e de telecomunicações. Disponível em: https://www.aneel.gov.br/consultas-publicas?p_auth=eyyOLVSB&p_p_id=participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet&p_p_lifecycle=1&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-2&p_p_col_pos=1&p_p_col_count=2&_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_ideParticipacaoPublica=3619&_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_javax.portlet.action=visualizarParticipacaoPublica. Acesso em: 02 dez. 2021. [4] Minuta de Resolução Conjunta, Art. 19: “A ANEEL estabelecerá em ato próprio o preço pela utilização de Ponto de Fixação para o compartilhamento de postes entre distribuidoras de energia elétrica e prestadoras de serviços de telecomunicações”. ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica. Minuta de Resolução Conjunta. Brasília: ANEEL, 2021. Disponível em: https://www.aneel.gov.br/consultas-publicas?p_p_id=participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet&p_p_lifecycle=2&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_cacheability=cacheLevelPage&p_p_col_id=column-2&p_p_col_pos=1&p_p_col_count=2&_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_ideDocumento=45394&_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_tipoFaseReuniao=fase&_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_jspPage=%2Fhtml%2Fpp%2Fvisualizar.jsp. Acesso em: 02 dez. 2021. [5] BRASIL. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9472.htm. Acesso em: 29 set. 2021. [6] Sobre os contratos coativos, Sílvio Venosa observa: “[...] assim ocorre com as concessionárias do serviço público de fornecimento de água, luz, esgoto, gás, telecomunicações e o usuário. A empresa não pode recusar-se a contratar com o usuário, quando este se sujeita às condições gerais e desde que existam condições materiais para a prestação do serviço. O usuário, assim, não pode prescindir desses serviços, nem mesmo, por vezes, recusá-los. O usuário, ou mais propriamente o consumidor, não tem como recusar o contrato, nem como discuti-lo.” (Parecer do Silvio Venosa de 3/03/2017, apresentado nos autos do Processo nº 0116351-28.2016.4.02.5101 da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro). [7] Conforme Orlando Gomes, a “técnica usual de contenção da liberdade de contratar consiste na regulamentação do conteúdo do contrato por disposições tão minuciosas que as partes se limitam praticamente a transcrevê-las sob a forma de cláusulas. O contrato é, assim, regulamentado no seu conjunto, tornando-se desnecessárias as negociações preliminares. Quem quer que deseje contratar sabe de antemão que somente poderá fazê-lo nas condições previstas em regulamento a cujas normas também estará adstrita a outra parte. [...] Em certos contratos, não é somente um dos seus elementos característicos que se acha predeterminado, mas todo o seu conteúdo, variando apenas as pessoas que contratam. Forma-se, em consequência, uma rede de contratos iguais celebrados por inúmeras pessoas com uma só parte, geralmente quando detém esta o monopólio ou o privilégio de exploração de certo serviço. Nesses contratos, ocorre dupla adesão, uma vez que as duas partes não têm liberdade de se afastarem do regulamento que condiciona a vontade negocial.” (GOMES, Orlando. Decadência do voluntarismo jurídico e novas figuras jurídicas. In: GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2 ed. São Paulo: Ed. RT, 1980. p. 23-24). [8] Para Orlando Gomes, “o contrato coativo, também denominado contrato ditado, imposto, forçado, constitui negócio jurídico que se realiza sem o pressuposto do livre consentimento das partes. Trata-se, portanto, segundo Hendemann, de uma simples ficção; finge-se que o contrato foi concertado. É como se as partes houvessem dado vida à relação jurídica mediante acordo de vontades espontâneo.” (GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2002). [9] Segundo Marçal Justen Filho, “a servidão administrativa caracteriza-se por ser um dever de abstenção que recai sobre os proprietários e possuidores de bens e que é imposto em vista de características próprias desses bens e da realização de valores de interesse coletivo. Constitui em restrições às faculdades do domínio e do dever de suportar conduta, não gerando, em princípio, direito de indenização, caso não haja imposição de obrigações de grande intensidade ou que importem a eliminação do substrato econômico da propriedade. Ela pode ser imposta a um imóvel simplesmente em vista da necessidade de um serviço público.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 469-470). Conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “servidão administrativa é o direito real de gozo, de natureza pública, instituído sobre imóvel de propriedade alheia, com base em lei, por entidade pública ou por seus delegados, em favor de um serviço público ou de um bem afetado a fim de utilidade pública.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2001. p. 145). [10] “Com efeito, as servidões impõem uma obrigação de suportar. Se a propriedade não é afetada diretamente pela disposição abstrata da lei, mas em consequência de uma injunção específica da Administração, que individualize o bem ou os bens a serem gravados, está-se diante de uma servidão. Em face disto, caberá indenização se a injunção cogitada resultar em prejuízo para o proprietário do bem alcançado.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 750.050/SC. Administrativo. Desapropriação. Limitação administrativa. Área Non Aedificandi. Lei nº 6.766/79. Indenizabilidade. Demonstração de prejuízo. Inocorrência. Súmula 07/STJ. Processual Civil. Violação do art. 535 do CPC. Inocorrência. Deficiência na instrução da inicial [...]. Recorrente: União, Nélson Nau e outros. Recorrido: Os mesmos. Relator: Luiz Fux, 5 de outubro de 2006. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/9049715/recurso-especial-resp-750050-sc-2005-0078664-5/inteiro-teor-14225812. Acesso em: 23 out. 2021). [11] RECURSO ESPECIAL. COMPARTILHAMENTO DE INFRAESTRUTURA POR CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS. LOCAÇÃO DE ÁREA PARA ESTAÇÃO DE TELEFONIA CELULAR. SOLICITAÇÃO À LOCATÁRIA DE COMPARTILHAMENTO DE INFRAESTRUTURA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE TÉCNICO. CARÁTER COMPULSÓRIO. CARACTERIZAÇÃO DE SUBLOCAÇÃO. DESCABIMENTO. SERVIDÃO ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA DE REDUÇÃO DO POTENCIAL DE EXPLORAÇÃO ECONÔMICA DO BEM IMÓVEL LOCADO. INDENIZAÇÃO. INVIABILIDADE. 1. O art. 73, parágrafo único, da Lei n. 9.472/1997 estabelece que, consoante regulamento infralegal emitido pelo Órgão regulador do cessionário, as prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilização de postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadora de serviços de telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis. 2. Com efeito, a Resolução n. 274/2001 da Anatel instituiu o Regulamento para disciplinar o compartilhamento de infraestrutura entre prestadoras de serviços de Telecomunicações, prevendo que só pode ser negado por razões de limitação na capacidade, segurança, estabilidade, confiabilidade, violação de requisitos de engenharia ou de cláusulas e condições estabelecidas pela Anatel. 3. O compartilhamento de infraestrutura tem relevância de interesse público, pois propicia que haja barateamento dos custos do serviço público; minimização dos impactos urbanísticos, paisagísticos e ambientais; condições a ensejar a cobrança de tarifas mais baixas dos consumidores; fomento à concorrência, expansão e melhoria da cobertura da rede de telefonia. 4. Os bens que integram a rede de telecomunicações, embora pertencentes a determinada empresa, cumprem função social, uma vez que seu uso é garantido, por lei, a outras empresas que dele necessitem. A liberdade de contratar e o próprio conteúdo do contrato entre as empresas, tendo por objeto o compartilhamento de uso de infraestrutura, ficam limitados pela regulação legal e infralegal, que estabelece obrigação compulsória. 5. O contrato derivado de sublocação se forma pelo consentimento das partes, e o princípio fundamental em matéria contratual reside no fato de que ninguém é obrigado a contratar e, se o faz, celebra a avença com quem desejar e da forma em que combinaram. Dessarte, não há como conferir caráter de sublocação à operação, tampouco considerar ilícito contratual o compartilhamento de infraestrutura efetuado pela concessionária de serviço público locatária. 6. O direito de uso previsto no artigo 73 da Lei Geral de Telecomunicações constitui servidão administrativa instituída pela lei em benefício das prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, constituindo-se direito real de gozo, de natureza pública, a ser exercido sobre bem de propriedade alheia, para fins de utilidade pública. 7. Em vista da característica de servidão administrativa, só haveria de cogitar-se em indenização se houvesse redução do potencial de exploração econômica do bem imóvel – o que não ocorre, visto que a autora está recebendo regularmente aluguéis, que não são em nada prejudicados pelo uso compartilhado da infraestrutura pertencente à locatária. 8. Recurso especial provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 201200071708. Compartilhamento de infraestrutura por concessionários de serviços públicos. Locação de área para estação de telefonia celular. Solicitação à locatária de compartilhamento de infraestrutura. Inexistência de óbice técnico. Caráter compulsório. Caracterização de sublocação. Descabimento. Servidão administrativa. Inexistência de redução do potencial de exploração econômica do bem imóvel locado. Indenização. Inviabilidade. Relator: Luis Felipe Salomão. Dj: 26/09/2017. Publicação 20/10/2017). [12] Segundo Humberto Agrícola Barbi, “[...] ora, o contrato de (sub)locação se forma pelo consentimento das partes, e o princípio fundamental, em matéria contratual, reside no fato de que ninguém é obrigado a contratar e, se o faz, celebra a avença com quem desejar e da forma em que combinaram” (BARBI, Humberto Agrícola. Das locações residenciais e comerciais. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 15/21). [13] Há o reconhecimento de que o contrato de compartilhamento gera externalidades, pois os efeitos da relação jurídica transcendem a própria relação estabelecida entre as partes. Tal característica fundamenta a intervenção, conforme Vera Maria de Oliveira Nusdeo Lopes: “[...] isso se dá fundamentalmente por duas características de atividades de ordem material: em primeiro lugar, pela atividade ou serviço abranger um número muito grande de indivíduos, afetando os interesses de uma parcela considerável da população. Em segundo lugar, por haver um interesse geral – coletivo ou difuso – da população a se sobrepor ao interesse específico de cada um.” (LOPES, Vera Maria de Oliveira. O direito à informação e as concessões de rádio e televisão. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997. p. 64-65). [14] Calixto Salomão Filho leciona que “é absolutamente vão crer, sobretudo em setores regulados, e com especial força naqueles setores em que há uma clara dominação do mercado, que o contrato influencia apenas a relação das partes. Exemplificativamente, um contrato de interconexão firmado entre o detentor de uma rede fixa de telecomunicações e aqueles concorrentes que a ela precisam se interconectar influencia a esfera de milhares de consumidores e outros tantos concorrentes, existentes e potenciais. A regulação deve servir, então, a compatibilizar a negociação privada contratual com seus efeitos públicos” (SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos). São Paulo: Malheiros, 2001. p. 69). [15] Conforme Orlando Gomes, “no contrato autorizado, sua realização fica na dependência da autorização da autoridade administrativa. Em alguns aproxima-se essa autorização da homologação porque irrecusável se as partes cumpriram estritamente as exigências legais para a sua realização. No caso afirmativo, torna-se imperiosa a aprovação do contrato que pretendem validar. Não está, portanto, no seu mero arbítrio, concedê-la ou negá-la.” (GOMES, Orlando. Decadência do voluntarismo jurídico e novas figuras jurídicas. In: GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 1980. p. 22). [16] De acordo com Eros Roberto Grau, “desde a segunda metade do século passado, o direito dos contratos é afetado por imposições da ordem pública (poder de polícia, a defesa dos bons costumes, imposições ‘protetivas’ do direito do trabalho à legislação antitruste. Essas intervenções prosseguem até a instalação do que se tem referido como a normatividade do Welfare State, afetando, marcadamente, a disciplina dos contratos. Os contratos passam a ser apresentados menos como uma livre construção da vontade humana do que como contribuição da atividade dos agentes econômicos à arquitetura geral da economia definida pelo Estado contemporâneo. A doutrina elabora a noção de dirigismo contratual, emerge o instituto dos contratos coativos. [...] O direito, nisso, continua cumprindo o seu duplo papel: viabilizando (e justificando) as relações que fluem segundo as regras da economia de mercado e instrumentando o exercício, pelo Estado, de políticas públicas voltadas justamente à preservação do mercado. Ao Estado, em sua intervenção nos contratos, permanecem atribuídas as funções de terceiro regulador e de árbitro” (GRAU, Eros Roberto. Um novo paradigma dos contratos? Crítica Jurídica, v. 96, p. 423-433, 2001). [17] Calixto Salomão Filho leciona: “O compartilhamento não se faz sentir apenas na obrigação de contratar. Influência há – e deve haver – também nas cláusulas contratuais. A garantia de acesso não pode ser apenas formal, deve ser também material” (SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos). São Paulo: Malheiros, 2001. p. 67).
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