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QUAIS OS LIMITES AO CONTROLE JUDICIAL DO ARBITRAMENTO ADMINISTRATIVO DO COMPARTILHAMENTO?

  • Foto do escritor: Alexandre Lopes
    Alexandre Lopes
  • 19 de abr. de 2023
  • 35 min de leitura

Atualizado: 20 de abr. de 2023



A presente questão remonta à relevante discussão acerca do controle judicial dos atos administrativos. As decisões do arbitramento administrativo, como resultado do exercício da função administrativa, não têm caráter de definitividade frente ao Poder Judiciário. Além disso, as decisões tomadas no procedimento de resolução administrativa de conflitos não têm eficácia vinculante.

A resolução administrativa de conflitos, como visto, diferentemente da arbitragem, não pressupõe a existência de convenção de arbitragem, não havendo restrições de acesso ao Judiciário.[1]

Como informa Arnoldo Wald e Luiza Rangel de Moraes, os atos das agências reguladoras, no exercício da função adjudicatória, estão submetidos ao mesmo regime de controle judicial dos atos administrativos em geral.[2]

O controle judicial deve ter como presunção a legitimidade da atividade administrativa, o que confere postura deferente aos atos administrativos. A presunção de legalidade e legitimidade dos atos administrativos confere responsabilidade àquele que pretende a desconstituição do ato e o ônus de provar a invalidade do ato.[3] Essa postura evidencia o princípio da deferência que prestigia a segurança jurídica, a redução de riscos e a estabilidade esperada do setor regulado.[4]

Segundo Noel Struchiner,[5] o Judiciário deve prestigiar as normas setoriais, ainda que de baixa densidade normativa, sempre que apontar um resultado claro para o setor. Deve-se reconhecer que as normas regulatórias são erigidas por meio de processo administrativo que conta com ampla participação social, audiências e consultas públicas, apto a considerar a realidade do setor.

A tomada de decisão formalista pressupõe o amadurecimento do juiz, na medida em que, por mais que discorde do resultado prático da decisão regulatória, por convicções e motivações pessoais, o juiz deve respeitar as atribuições dirigidas às agências reguladoras.[6]


3.1 Motivos do controle judicial

3.1.1 O controle judicial ocorre em atenção à unidade de jurisdição

Não obstante a possiblidade do exercício da jurisdição na arbitragem, instaurada em atenção à manifestação de vontade das partes, o Poder Judiciário mantém o poder de controle finalístico ou de resultados da tutela administrativa.

O poder de controle alcança a Administração Pública (entidades centralizadas ou descentralizadas) e permeia em potencialidade todos os atos administrativos, em maior ou menor grau, sob a inspiração do princípio da unidade da jurisdição.[7]


3.1.2 O controle judicial como resultado da separação dos poderes e o sistema de freios e contrapesos

O controle judicial dos atos administrativos é resultado da aplicação do sistema de freios e contrapesos, próprio do Estado de Direito, qualificado pela inafastabilidade da apreciação pelo Poder Judiciário.

A inafastabilidade do controle judicial é resultado direto e imediato da garantia constitucional, elencada como norma fundamental da Constituição da República (art. 5º, inc. XXXV, CRFB/1988).[8]

Os atos das agências reguladoras, seja resultado de seu poder normativo, poder polícia ou poder adjudicatório (resolução de conflitos), se submetem ao controle judicial.[9]


3.1.3. O controle judicial revela o Estado Democrático de Direito

A regulação desempenhada pelas agências reguladoras é uma atividade típica do Poder Público, modulada pelos princípios gerais do regime jurídico de direito público, dentre eles o controle judicial. Como afirma Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, o controle judicial é emanação da Estado Democrático de Direito.[10]


3.2 Postura deferente do Poder Judiciário

3.2.1 Características inerentes aos atos regulatórios que limitam a atividade cognitiva do Poder Judiciário

Naturalmente, algumas características inerentes a alguns atos regulatórios limitam a capacidade cognitiva do Poder Judiciário, responsável pelo controle, que podem ser agrupadas na seguinte ordem: (1) complexidade técnica; (2) dinamismo do mercado regulado; (3) efeitos prospectivos da decisão, por vezes incoerentes com o controle repressivo próprio do Judiciário; (4) multiplicidade dos interesses envolvidos.


3.2.2 A consideração da capacidade institucional das agências reguladoras para compreender as questões e os resultados sistêmicos

Como resultado da postura deferente, o Poder Judiciário, ao efetivar o controle do ato administrativo, deve considerar a capacidade institucional da agência reguladora que expede a decisão administrativa.[11] Conforme Luís Roberto Barroso[12], a verificação dessa capacidade é relevante para identificar o Poder mais habilitado a produzir a melhor decisão em determinada matéria.


3.2.3 Controle judicial e considerações técnicas do compartilhamento

Uma das grandes justificativas para a criação das agências reguladoras é a necessidade de intervenções técnicas em mercados regulados, complexos e dinâmicos. Assim, a regulação prescinde de justificativas científicas, considerando o necessário regime tecnocrático.

A motivação técnica é indicada como importante fator, apto a qualificar a atuação estatal como imparcial e equidistante. É necessário reconhecer a existência de um mito capaz que orbita as agências reguladoras, como se as agências setoriais, em razão da especialização e tecnicidade, permanecessem insuladas de imediatos debates políticos, atuando com isenção, por estarem imunes às contingências e às circunstâncias transitórias das opiniões não qualificadas.

Sob essa justificativa, é possível defender que o Poder Judiciário não deveria controlar, ou, ao menos, não deveria interferir no “mérito” das decisões das agências reguladoras, considerando que as discussões travadas nos processos administrativos das agências são estranhas ao debate forense.

Essas considerações devem ser consideradas com parcimônia e ponderação. Isso porque, em uma primeira observação acerca do controle da atividade administrativa, os juízes e técnicos da Administração são incapazes de considerar todos os elementos para a tomada de decisão.[13] Além disso, todas as decisões, sejam das agências reguladoras, sejam dos juízes do Poder Judiciário, são limitadas e incapazes de considerar toda a complexa realidade.

A limitada capacidade cognitiva é acompanhada do necessário reconhecimento de que todos os juízes têm como base, para tomar suas decisões, uma compreensão prévia da realidade e escolhas a partir de um plexo de experiências e valores muitas vezes não identificado. Nesse sentido, a tomada de decisão sempre principia em uma compreensão da realidade que muitas vezes não é nem mesmo ponderada pelos juízes administrativos ou judiciais.

Em vista disso, a separação dos poderes marcada pela divisão das funções é essencial para reduzir o poder da subjetividade. A divisão de funções especializadas sob controle e fiscalização recíprocos tem potencial de produzir decisões mais virtuosas e aderentes aos interesses públicos,[14] daí a importância do controle judicial da atividade administrativa, ainda que marcado por uma aparente tecnicidade.

De fato, existem campos de mais alta complexidade técnica, mercados especializados, que demandam visão sistêmica e prospectiva, a exigir do juiz um instrumental diferenciado.[15] Nessas situações o Poder Judiciário deve intervir em menor grau, mas também realizar o controle da proporcionalidade e razoabilidade dos atos estatais com ponderação, parcimônia e deferência.

Condições do compartilhamento envolvem aspectos técnicos, elementos não naturalmente jurídicos, inerentes à complexidade das atividades econômicas reguladas, em razão da especialização da área de conhecimento.[16] Levando isso em conta, entende-se que o Poder Judiciário apresenta limitada estrutura de apoio especializado para amparar a tomada de decisão, para calcular o preço e demais condições do compartilhamento.

Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,[17] descabe a interferência do Poder Judiciário no estabelecimento e na formação dos preços, considerando que a feitura da equação tarifária é atribuição das agências reguladoras. O Judiciário ao estabelecer as estruturas tarifárias, pode criar embaraços e comprometer até mesmo o exercício dos serviços, o compartilhamento e inviabilizar a ocupação.[18]

Conforme a jurisprudência dos Tribunais,[19] a alteração do critério de remuneração fixado pelas agências reguladoras só poderia ser afastada se configurada e comprovada inconstitucionalidade ou ilegalidade de sua fixação, sob pena de esvaziamento das agências reguladoras e indevida substituição, pelo Judiciário, de sua competência regulatória. Ademais, o Poder Judiciário carece de instrumentos para prever e avaliar os efeitos sistêmicos ao mercado, em razão da indicação sinalizada pela decisão judicial.

A complexidade técnica não imuniza o compartilhamento do controle judicial, contudo, deve conduzir a uma postura deferente por parte do Poder Judiciário no controle do compartilhamento de infraestrutura.[20]


3.2.4 Efeitos prospectivos dos atos regulatórios

O efeito prospectivo dos atos regulatórios é característica dos atos das agências reguladoras que, de fato, limita o controle pelo Judiciário.

Deve-se observar a compreensão que a tomada de decisão para um caso individual pode ter efeitos que transbordam a relação jurídica posta em juízo e ser capaz de modular todo o ambiente regulatório.

A atuação do Judiciário é pautada por uma lógica retrospectiva, diante da subsunção dos fatos à norma jurídica vigente, ao passo que a atividade de regulação deve considerar a política regulatória para o setor, em atenção aos efeitos futuros dos atos editados.

Como observa Gustavo Binenbojm,[21] o Poder Judiciário nem sempre dispõe de meios para rediscutir políticas econômicas, avaliar e controlar decisões de repercussão sistêmica de grandes proporções que serão sentidas e condicionarão as relações econômicas.


3.2.5 Multiplicidade de interesses envolvidos que transbordam a relação processual

O processo judicial apresenta, em regra, duas partes, com interesses antagônicos, e sua atribuição principal é a resolução de um conflito entre as partes. A seu turno, a regulação econômica apresenta uma multiplicidade de interesses entrelaçados, formado em um ambiente sistêmico e interrelacionado.

No curso do processo judicial, os argumentos apresentados pelas partes são limitados pelos interesses em juízo, assim, é possível que o juiz não considere os interesses de agentes que necessariamente serão atingidos pelos efeitos da decisão.

Decisões judiciais sobre o compartilhamento de infraestrutura tem o potencial de afetar sistemicamente o mercado, os diversos agentes que o integram, inclusive considerando expectativas de uma futura decisão, diante da formação de precedentes judiciais.

Nesse sentido, a decisão judicial que altera ato regulatório sobre o compartilhamento pode afetar todo o setor regulado.[22]


3.2.6 Os riscos do controle das políticas regulatórias

O controle judicial das políticas regulatórias apresenta os seguintes riscos, caso ocorra a sistemática contestação dos atos emanados das agências reguladoras: (1) estímulo à judicialização com potencial de elevar os custos sociais e reduzir o bem-estar; (2) enfraquecimento do papel do regulador e de sua atuação; e (3) engessamento do setor, que passa a estar condicionado e à espera de decisões judiciais.

O controle judicial deferente e formalizado pode, com o tempo, desestimular a propositura de ações, diante de respostas sistemáticas do Judiciário em preservar as decisões regulatórias.[23] Ademais, esse controle pode estimular o fortalecimento do papel do regulador e de sua atuação, com a formação de uma jurisprudência administrativa, apta a modular o mercado. Do contrário a ampla reforma das políticas públicas e sua execução tem o potencial de prejudicar até mesmo o Poder Judiciário, dada a elevada sobrecarga de processos judiciais e a formação de uma cultura reativa da regulação, diante da expectativa de um Judiciário mais proativo e solucionador de todas as questões.

O Conselho Nacional de Justiça promoveu, em 2011,[24] estudos sobre a interação entre regulação econômica e o Poder Judiciário. Os autores do estudo concluíram que muitas liminares deferidas pelo Judiciário tem o potencial de subtrair as atribuições das agências reguladoras, impondo custos expressivos, de tempo e incerteza, para, no final, serem desconstituídas por decisões de segunda instância, mantendo a decisão administrativa.

Não é necessário o exaurimento das instâncias administrativas para invocar a tutela jurisdicional.[25] No ocaso, as partes podem recorrer diretamente ao Poder Judiciário para definir solução ao compartilhamento de infraestrutura.

A previsão do arbitramento administrativo do compartilhamento de infraestrutura[26] não afasta a apreciação da matéria pelo Poder Judiciário,[27] porém, deve ser considerado o grau de intervenção e os parâmetros para a tomada de decisão judicial, que serão desenvolvidos adiante.

Nesse escopo, é necessário verificar os motivos que fundamentam o controle judicial, tais como a unidade de jurisdição, a separação dos poderes e o sistema de freios e contrapesos e a aplicação, que revela o Estado Democrático de Direito. Posteriormente, cumpre desenvolver os parâmetros e critérios para o controle judicial dos atos administrativos que importam no arbitramento do compartilhamento dos postes.


3.3 Parâmetros para o controle

3.3.1 Controle judicial dos atos vinculados e discricionários. Graus de vinculação à juridicidade

Tradicionalmente, o grau de sindicabilidade pelo Poder Judiciário dos atos administrativos dependia da natureza do ato, se vinculado ou discricionário, conferindo, assim, importância à discussão sobre o mérito administrativo, como resultado da análise de conveniência e oportunidade da Administração Pública, e, portanto, sujeito a menor grau de restrição pelo Poder Judiciário. Ocorre que a rígida classificação entre atos vinculados e discricionários perde valor e importância gradativamente como parâmetro de controle pelo Poder Judiciário.

O fenômeno da constitucionalidade do direito permite que o fundamento de validade da atividade administrativa possa residir imediatamente e diretamente em princípios constitucionais, o que importa, segundo Gustavo Binenbojm, a consideração de que toda atividade administrativa, inclusive o mérito do ato, seja pautada por regras de direito. Assim, todos os atos administrativos são vinculados seja a preceitos constitucionais, princípios ou conceitos jurídicos indeterminados. Há de fato, portanto, graus distintos de vinculação à juridicidade.[28]

O grau de vinculação à juridicidade condiciona o grau de interferência e controle do ato administrativo pelo Poder Judiciário, porém, o controle judicial não mais subsiste sob a lógica puramente normativa, isso porque o controle deve atentar para a análise do procedimento de tomada de decisão adotado pela Administração Pública.[29] Na prática, o regular e democrático processo administrativo, necessário à formação de vontade e decisão administrativa, deve ser considerado no controle judicial.

Assim, o controle judicial deve considerar o procedimento de resolução administrativa de conflitos do compartilhamento, avaliar se ocorreu a participação efetiva das partes em litígio, para a formação da decisão de arbitramento, de forma a observar se as agências motivaram a sua decisão, a partir dos fundamentos apresentados e contraditados no processo. O próprio processo democrático legitima a tomada de decisão motivada.

Considerando a perda da importância da distinção entre ato vinculado e discricionário e, portanto, a derrocada do postulado da impossibilidade de controle do mérito administrativo, é necessário estabelecer parâmetros e critérios básicos para o controle judicial, no sentido de adequação da atividade administrativa à ordem jurídica, sem descurar da necessidade de observância da separação dos poderes, afastando a indevida interferência do Judiciário, em substituição da atividade administrativa.


3.3.2 O controle judicial do ato administrativo deve ter em conta a lógica da separação e limitação dos poderes

A lógica da divisão dos poderes é construída a partir da necessidade de limitação do poder e da otimização do desempenho das funções do Estado.[30] Contudo, para a construção da própria definição de eficiência, é necessário um juízo de valor prévio, vetores axiológicos capazes de esclarecer se os resultados foram alcançados da melhor forma possível,[31] haja vista o fato de a eficiência por si só ser vazia, já que prescinde de um conteúdo legitimador.

Segundo Bruce Ackerman,[32] os ideais legitimadores da separação de Poderes são: a democracia, o profissionalismo ou a especialização e a necessidade de proteção e promoção dos direitos fundamentais.

As decisões devem ser tomadas por representantes eleitos, em atenção à democracia, porém, em mercados regulados, a interferência política deve ser minimizada face à necessidade de especialização e profissionalização. A ausência de especialização gera mais parcialidade, politização da atuação da Administração técnica do Estado, preocupação exclusiva não com os efeitos sistêmicos e duradouros, mas com a obtenção de votos.[33] São justamente essas ideias legitimadoras que devem ser articuladas para compor os limites da interferência do Poder Judiciário e do Poder Político na Administração técnica.

Não se defende que a técnica é uma carta aberta às agências, o que se proclama é a existência de um limite adequado de intervenção, considerando que toda a decisão compreende um juízo de valor e nenhum órgão é imune a controle.

O fato é que a interferência do poder político nas decisões das agências é muito maior do que a interferência do poder político no Poder Judiciário. Daí a desconfiança e a captura das decisões das agências que muitas vezes é chamada para resolver conflitos, para atuar como juízes.

Como já observado, a dicotomia estanque entre ato vinculado e discricionário deve ser superada[34] e o mito de que o Poder Judiciário não pode invadir o mérito administrativo deve ser afastado.[35] É necessário o desenvolvimento de novos critérios, que permitam o estabelecimento dos limites de intervenção entre os poderes, e não há como se afastar de uma análise concreta, em cada caso, se adequado ou não à substituição da decisão regulatória pela decisão judicial.


3.3.3 Discricionariedade administrativa

Ocorre a redução da importância da distinção entre atos discricionários e vinculados para determinar a viabilidade do controle judicial, contudo, a análise e o estudo da discricionariedade administrativa continua sendo relevante para o estabelecimento de critérios para o controle judicial dos atos administrativos.

A discricionariedade é naturalmente associada à liberdade conferida à Administração Pública,[36] liberdade para atuar dentro do quadro de normas formado.

Segundo Kelsen,[37] a diferença entre a criação das leis a partir da Constituição e a produção de uma sentença ou ato administrativo é quantitativa, não qualitativa. A autoridade por ato de vontade na aplicação da lei atua considerando a moldura estabelecida pelo ordenamento jurídico.

A discricionariedade importa em uma escolha a partir da consideração da ignorância dos fatos e fins enunciada pela norma. Segundo Hart,[38] é sempre necessário considerar a escolha entre alternativas, sendo rara a mecânica aplicação da lei, dada a relativa ignorância acerca dos fatos e a natural indeterminação da finalidade, condição inerente à natureza humana.

Nesse sentido, conforme Dworkin,[39] a discricionariedade deve ser pautada por padrões de sentido e equilíbrio. A liberdade sem observância a padrões pode resultar em autoritarismo. De fato, a existência de deveres de observância a padrões, equilíbrio e necessária motivação não elimina a existência da discricionariedade, já que o ordenamento não oferece sempre uma única alternativa certa. Com efeito, os padrões e limites que conduzem equilíbrio ao exercício da liberdade administrativa nem sempre são extraídas do ordenamento jurídico.

Um exemplo claro enunciado no presente estudo é o fato comprovado da inexistência de negociação em muitos contratos de compartilhamento, não obstante o texto legal a prescrever que o preço e as condições de compartilhamento devem ser objeto de livre negociação.

Esse padrão decorrente da realidade econômica deve pautar e dirigir a discricionariedade administrativa, conduzindo a visão do regulador para a realidade do caso concreto, contudo, a realidade é dinâmica e multifacetada. O emprego da racionalidade não pressupõe certeza ou tratamento uniforme em todas as circunstâncias. Daí a necessidade de sempre se voltar ao ordenamento jurídico, sobretudo aos preceitos constitucionais que pautam as regras do discurso jurídico, na medida da correção dos atos regulatórios.

Nesse sentido, a função administrativa é secundum legem. A juridicidade encontra na Lei o sempre principal anteparo. Assim, a discricionariedade administrativa relaciona-se com o modo de atribuição de competência administrativa,[40] considerando a Administração submetida à Lei e à jurisdição, como resultado do Estado Democrático de Direito.

A lei define e modula a função administrativa, a outorga da discricionariedade é resultado da conformação da competência administrativa à lei. A discricionariedade não é desprendida da moldura e das condições legais e ilustra uma tomada de decisão compartilhada, dada a modelagem imposta pelo ordenamento jurídica e o poder de avaliação motivado conferido à autoridade, a partir de critérios, condições e parâmetros já enunciados. Ademais, ela revela a intenção da lei de compartilhar com a Administração a tarefa de escolha dos meios para o melhor atendimento do interesse público.[41]


3.3.4 A necessária motivação dos atos discricionários

Por conferir mais liberdade à Administração Pública, os atos discricionários devem ser amplamente motivados,[42] considerando que, a partir da explicitação dos fatos e do direito que conduziram a edição, o controle torna-se mais preciso.

Deve-se, portanto, apurar se os fatos são reais e se há pertinência lógica entre esses fatos e o conteúdo do ato, tendo em vista sua finalidade.[43]

Conforme Eros Grau, o adequado controle judicial avalia o erro manifesto e o erro não manifesto, e ambos os erros do ato devem ser afastados.[44] A questão é como avaliar o erro. É possível a enunciação dos parâmetros e critério de interferência que definem os limites do controle judicial, mas o efetivo limite do controle é pautado pelo caso concreto a partir da motivação do ato.

3.3.5 O controle judicial alcança o mérito administrativo pelo exame da proporcionalidade e razoabilidade

Conforme anota Luís Roberto Barroso, o controle judicial não reside apenas no exame da legalidade, mas alcança o mérito administrativo, na medida em que é responsável pelo controle da proporcionalidade e razoabilidade.[45]

Contudo, conforme o princípio da deferência enunciado, em atenção à competência técnico-regulatória, o arbitramento do compartilhamento pelo Poder Judiciário é medida excepcional, dado o arcabouço organizacional e procedimental conferido por lei às agências reguladoras, a intervenção do Judiciário somente em caso de flagrante irrazoabilidade do ato ou de violação do devido processo legal.[46]


3.3.7 O controle judicial do preço do compartilhamento

A princípio, o processo judicial não é o meio adequado para o arbitramento do compartilhamento dos postes, em razão do limitado instrumental disponível para verificar as adequadas condições para o compartilhamento do poste em determinada região.

Ainda que o juiz, em um momento, dispusesse de meios técnicos para definir com exatidão as condições de mercado, tais condições se perderiam no tempo do curso do processo judicial. Desse modo, o tempo do processo judicial inabilita e desatualiza a decisão judicial, em razão da dinâmica do mercado. Na época do trânsito em julgado e da execução da decisão judicial, as condições potencialmente teriam sido alteradas.

Nesse ponto, não se trata de reconhecer a incompetência técnica do juízo, ou a insindicabilidade do mérito administrativo. O que se deve ter em conta é a compreensão de que existe um sistema dinâmico próprio do mercado e que a interferência pontual na relação jurídica entre as partes conduz a uma perturbação no sistema, com efeitos que transcendem, portanto, a relação jurídica processual. O processo judicial não é um instrumento adequado para tomada de decisões regulatórias por conta da necessidade da compreensão global do problema, visão prospectiva e acompanhamento da evolução das condições de mercado que se alteram rotineiramente no curso do processo.

Ainda que o juízo se valesse de decisões liminares, com eficácia imediata, os agentes econômicos tomariam decisões com alto risco, em face do perigo da desconstituição do decidido. Com efeito, da insegurança jurídica advêm decisões ineficientes.

Nesse sentido, não é suficiente a participação das agências reguladoras como amicus curiae nos processos judiciais. As agências podem eventualmente capacitar o juízo com instrumental adequado para a melhor decisão do momento, mas é necessário considerar o risco do tempo e o risco da técnica.


3.3.8 Parâmetros para identificação e controle da discricionariedade técnica do compartilhamento[47]

O professor Gustavo Binenbojm lança bases, enunciando standards básicos a serem considerados pelo magistrado para o controle do ato administrativo, nos seguintes termos:[48]

Os standards básicos a serem levados em conta pelo magistrado, no momento de exercer o controle jurisdicional sobre atos administrativos, são os seguintes: (i) grau de restrição a direitos fundamentais (quanto maior, mais intenso o controle); (ii) grau de objetividade extraível do relato normativo (quanto maior, mais intenso o controle); (iii) grau de tecnicidade da matéria (quanto maior, menos intenso o controle); (iv) grau de politicidade da matéria (quanto maior, menos intenso o controle); (v) grau de participação efetiva e consenso obtido em torno da decisão administrativa (quanto maior, menos intenso o controle).

Com base nos parâmetros apresentados, no presente título será desenvolvido o tema a partir do grau de tecnicidade da matéria do compartilhamento, a partir de hipóteses, que ilustram os limites do controle frente à alegada discricionariedade técnica dos atos das agências reguladoras.

Nesse sentido, apresentam-se hipóteses de avaliação técnica desenvolvida pelas agências reguladoras e se o Poder Judiciário pode efetivar a revisão técnica da tomada da decisão regulatória.

(1) A primeira hipótese de avaliação técnica efetivada pelas agências reguladoras consiste na concreção e aplicação de conceitos jurídicos indeterminados previstos na regulamentação. Então, verifica-se a viabilidade do controle da definição e aplicação dos atos regulatórios que conferem concreção aos conceitos jurídicos indeterminados enunciados na lei.

Por exemplo, o art. 73 da Lei nº 9.472/1997 estabelece que o compartilhamento deve ocorrer em condições justas e razoáveis. A definição do que é justo e razoável compete às agências reguladoras, mas pode ser controlada pelo Poder Judiciário.

Com efeito, a concreção de conceitos jurídicos indeterminados não revela propriamente o exercício da discricionariedade técnica, assim ocorrendo a possibilidade de ampla revisão técnica pelo Poder Judiciário, diante da análise do erro técnico, a partir da enunciação dos motivos que determinaram as escolhas da Administração Pública.

(2) A segunda hipótese de avaliação técnica consiste na aplicação de critérios técnicos pelas agências reguladoras. Verifica-se a viabilidade do controle da aplicação de critérios técnicos, ainda que decorrente de um juízo discricionário prévio.

Por exemplo, as agências reguladoras, por meio do ato normativo, a partir de estudo prévio estabelecem parâmetros para a definição do preço de compartilhamento, considerando o grau de ocupação, a densidade populacional, o número de prestadoras (demanda pelo poste) e outros critérios técnicos.

Diante do exemplo, tem-se duas possibilidades de controle. A aplicação dos parâmetros no caso concreto é sujeita ao amplo controle judicial, possibilitando a revisão técnica pelo Poder Judiciário, a partir de parâmetros já definidos. Contudo, a formação dos critérios e parâmetros não deve ser sujeita à revisão técnica pelo Judiciário. O controle técnico dos parâmetros e critérios pelo Poder Judiciário tem o efeito de violar a separação dos Poderes, ao permitir a substituição da vontade administrativa pelo direcionamento judicial. Não se quer dizer que o Poder Judiciário não possa controlar a formação dos critérios e parâmetros, mas sim que, no caso, o controle será pela via da proporcionalidade e razoabilidade.

(3) A terceira hipótese de avaliação técnica pela Administração Pública ocorre quando as agências reguladoras realizam a instrução probatória em um processo resolução administrativa de conflitos, ao fixar pontos controvertidos e eleger fatos determinantes de convencimento para a resolução do conflito decorrente do compartilhamento.

No caso, o Poder Judiciário pode proceder o amplo controle judicial, inclusive, por meio de revisão técnica, assim verificando a existência e a aptidão do fato determinante que conduziu à decisão administrativa. Por essa razão, a motivação dos atos decisórios é essencial para o controle judicial.

(4) A quarta hipótese de avaliação técnica consiste na possibilidade de as agências reguladoras elegerem a medida mais adequada em função de prévio juízo técnico. Por exemplo, as agências reguladoras, verificando a saturação da ocupação dos postes, a partir de estudos podem concluir pela necessidade de enterramento da infraestrutura de telecomunicações.

No caso, a definição da medida mais adequada não comporta ampla revisão técnica pelo Poder Judiciário, porém, o controle judicial ainda é possível de forma excepcional, a partir da análise da proporcionalidade da medida. Em suma, a escolha da medida não importa em revisão técnica pelo Judiciário, mas a existência ou não do fato é submetida à ampla revisão pelo Poder Judiciário.

(5) A quinta hipótese de avaliação técnica consiste na definição de critérios técnicos de adequação, segurança e eficiência da ocupação. Tal avaliação é resultado da competência legal atribuída previamente às agências reguladoras, como, por exemplo, o espaçamento entre os fios nos postes, a distância das cordoalhas, a distância entre a rede de telecomunicações e de energia elétrica, o grau de esforço do poste.

A avaliação técnica da segurança e eficiência da ocupação não comporta ampla revisão técnica, mas apenas análise da proporcionalidade da medida.

(6) A sexta hipótese de avaliação técnica consiste na possibilidade de as agências reguladoras escolherem alternativa, com base em critérios técnicos, diante de múltiplas possiblidades, igualmente relevantes, até mesmo identificadas nos estudos técnicos, como nos procedimentos de análise de impacto regulatório que acompanham o processo normativo das agências.

A escolha de alternativa técnica não comporta ampla revisão técnica, mas apenas análise da proporcionalidade da medida, considerando que o juízo técnico é parte da regulação estatal.

(7) Na sétima e última hipótese ventilada pelo presente estudo, apresenta-se a possibilidade de as agências reguladoras escolherem alternativas, a partir de projeções e prognósticos viáveis não conclusivos, considerando metodologia científica. Essa hipótese não comporta ampla revisão técnica, mas apenas análise da proporcionalidade da medida, diante da incerteza própria dos prognósticos. É possível, porém, a avaliação técnica da própria metodologia, por exemplo, o uso correto da ciência estatística ou econômica.


______________________

[1] É a posição de Alexandre Santos de Aragão, que afirma: “nada que indique que a legislação queira que esta ‘arbitragem’ administrativa, atípica, tenha caráter de definitividade frente ao Poder Judiciário, em outras palavras, que equipare o seu regime ao da Lei de Arbitragem, sem que as partes sequer tivessem firmado um compromisso arbitral prévio [...] na falta de disposições que afirmem expressamente estas restrições de acesso ao Judiciário – e havendo inclusive indicações dos regulamentos em sentido contrário – não poderá o intérprete, ainda mais em contraposição com a Constituição Federal, presumi-las (art. 5.º, XXXV, CF)” (ARAGÃO, Alexandre Santos de. Serviços públicos: regulação para concorrência. In: GUERRA, Sérgio (coord.). Temas de direito regulatório. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004. p. 130-131. [2] Arnoldo Wald e Luiza Rangel de Moraes: “Na lei de criação da Anatel, a preocupação com tal matéria se revela, na medida em que deixa claramente definido o seu poder de decisão, em último grau na área administrativa, sobre as matérias de sua alçada, muito embora seja sempre admitido o recurso ao conselho diretor contra todos os atos praticados por agentes da autarquia. Também quanto ao controle judicial, os atos das agências regulatórias estão submetidos ao mesmo regime dos atos administrativos em geral, podendo ser objeto de impetração de mandado de segurança, individual ou coletivo, ação civil pública e ação popular, além das ações ordinárias e cautelares.” (WALD, Arnoldo; MORAES, Luiza Rangel. Agências reguladoras. Revista de Informação Legislativa, v. 141, p. 164-165, 1999). [3] Conforme voto proferido no Recurso ao Mandado de Segurança nº 12.468, “[n]ão me cabe como juiz dizer se errou na percentagem, mas apenas dizer se o órgão agiu dentro da faculdade que a lei lhe confere. Por outro lado, presumo que agiu com vistas ao interesse público, salvo prova em contrário.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso ao mandado de segurança n° 12.468. Relator: Hahnemann). [4] Conforme Alexandre Santos de Aragão, “[e]merge desse contexto a deferência que os tribunais têm dado aos atos administrativos que aplicam leis de baixa densidade normativa; em outras palavras, que conferem certa discricionariedade administrativa, buscando resguardar as decisões tomadas dentro da moldura fixada pelo Legislador. As decisões administrativas que impliquem escolhas legitimamente atribuídas à autoridade administrativa, tendo seguido o devido processo legal e adotado uma interpretação/aplicação razoável ou plausível dos conceitos indeterminados constantes da lei, não podem ser objeto de revisão pelo Poder Judiciário porque a Administração atuou dentro dos limites deixados pela lei para a própria definição dos direitos. Reconhece-se, portanto, que na análise dos atos administrativos pelo poder judiciário, somente sejam efetivamente controlados aqueles que claramente violem regras ou princípios: trata-se do chamado ‘princípio da deferência’.” (ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 623-624). [5] Conforme Noel Struchiner, “[o] formalismo é a defesa de uma atitude ou disposição interpretativa segundo a qual o texto de uma formulação normativa, ou melhor, o texto da totalidade de formulações normativas, deve ser levado a sério pelos responsáveis pela tomada de decisões jurídicas.” (STRUCHINER, Noel. Posturas interpretativas e modelagem institucional: a dignidade (contingente) do formalismo jurídico. In: SARMENTO, Daniel (org.). Filosofia e teoria constitucional contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 464). [6] Sobre a postura formalista, Frederik Schauer afirma: “Ser tomados de decisão formalista é dizer que certas coisas, por mais que me incitem, não são da minha alçada. [...] O formalismo via, em parte, a disseminar a visão de que, às vezes, é adequado que os tomadores de decisão reconheçam não ter competência mesmo quando estiverem convencidos da resposta certa.” (SCHAUER, Frederik. Formalismo. In: RODRIGUEZ, José Rodrigo (org.). A justificação do formalismo jurídico: textos em debate. São Paulo: Saraiva, 2011). [7] Como observa Edmir Netto de Araújo: “Não obstante, não escapam do monopólio jurisdicional do Poder Judiciário em suas decisões (art. 5.º, XXXV, da CF), que a esse Poder não podem se subtrair nem às regras de controle finalístico ou de resultados (tutela administrativa e/ou intervenção), das entidades descentralizadas”. Como se vê, prosseguiu, “[...] a Justiça brasileira adota o sistema de jurisdição una (una lex, una jurisdictio), não possuindo função jurisdicional qualquer ‘contencioso administrativo’ que venha a ser instalado, nem os Tribunais de Contas, o Tribunal Marítimo, ou qualquer outro órgão não integrado na estrutura do Poder Judiciário” (ARAÚJO, Edmir Neto. Curso de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1.158). [8] BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 set. 2021. [9] Conforme Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “[é] inadmissível em um Estado de Direito a existência de atos praticados pelo Poder Executivo que não possam ser objeto de apreciação pelo Poder Judiciário – expressão do sistema de freios e contrapesos (checks and balances) consagrado desde os primórdios do século XIX, sob inspiração de Montesquieu. Acresça-se a isso que o princípio da inafastabilidade da apreciação pelo Poder Judiciário está insculpido no art. 5.º, XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil. Portanto, os atos administrativos de regulação, como quaisquer outros atos administrativos emanados pelos entes da administração indireta (como agências reguladoras), podem ser objeto de controle e de contraste pelo Poder Judiciário.” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Agências Reguladoras. In: Alexandre de Moraes (coord.). Agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002. p. 140). [10] Segundo Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, “[...] os mecanismos de controle complementam-se com a natural submissão de todos os atos das agências ao indesviável controle judicial. Apesar de não facilmente enquadráveis na clássica estrutura da Administração Pública, não se deve descurar do fato de que a atividade regulatória é atividade típica do Poder Público, balizada pelos princípios e pressupostos gerais do direito público, o que a subordina ao controle judicial até mesmo como garantia do Estado Democrático de Direito.” (MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. A nova regulação estatal e as agências independentes. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito Administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 98). [11] Conforme Sustein: “Many people emphasize that any approach to the Constitution must take account of the institutional strengths and weaknesses of the judiciary. Even here, however, we have seen that influential voices in constitucional law argue in favor of interpretive strategies in a way that is inadequately attuned to the issue of institutional capacities. Those who enphasize phiilosophical arguments, or the idea of hholistic or intratextual interpretations, seem to us to have givem far too little attentiionn to institutional questions. Here as esewhere, our minimal submission is that a claim about appropriate interpretation is incomplete if it does not pay attention to considerations of administrability, judicial capacities, and systemic effects in addition to the usual imposing claims about legtimacy and constitucional authority. But we have also suggested the possibility that in constitutional law, na assessment of those issues might lead to convergence, on appropriate methods, form those who disagree about what ideal judges should do.” (SUNSTEIN, Cass R.; VERMEULE, Adrian Vermeule. Interpretation and institutions. Michigan Law Review, v. 101, nº 4, p. 885-951, fev. 2003). [12] Nas palavras de Luís Roberto Barroso, “[p]ara evitar que o Judiciário se transforme em uma indesejável instância hegemônica, a doutrina constitucional tem explorado duas ideias destinadas a limitar a ingerência judicial: a de capacidade institucional e a de efeitos sistêmicos. Capacidade institucional envolve a determinação de qual Poder está mais habilitado a produzir a melhor decisão em determinada matéria. Temas envolvendo aspectos técnicos ou científicos de grande complexidade podem não ter no juiz de Direito o árbitro mais qualificado, por falta de informação ou de conhecimento específico. Também o risco de efeitos sistêmicos imprevisíveis e indesejáveis podem recomendar uma posição de cautela e de deferência por parte do Judiciário. O juiz, por vocação e treinamento, normalmente estará preparado para realizar a justiça do caso concreto, a microjustiça, sem condições, muitas vezes, de avaliar o impacto de suas decisões sobre um segmento econômico ou sobre a prestação de um serviço público.” (BARROSO, Luís Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil contemporâneo. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (Rere), Salvador, nº 23, set./nov. 2020). [13] Conforme SUNSTEIN, Cass; VERMEULE, Adrian. Interpretation and institutions. Michigan Law Review, v. 101, nº 4, p. 949, fev. 2003. Tradução livre. No original: “An extraordinary variety of distinguished people have explored interpretative strategies without attending to the fact that such strategies will inevitably be used by fallible people and with likely dynamic effects extending far beyond the case at hand.” [14] Gustavo Binenbojm preleciona que a separação de Poderes deve ser encarada “como uma divisão de funções especializadas, o que enfatiza a necessidade de controle, fiscalização e coordenação recíproca entre os diferentes órgãos do Estado democrático de direito.” (BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 224). [15] Conforme: Gustavo Binenbojm, “[c]om efeito, naqueles campos em que, por sua alta complexidade técnica e dinâmica específica, falecem parâmetros objetivos para uma atuação segura do Poder Judiciário, a intensidade do controle deverá ser tendencialmente menor. Nesses casos, a expertise e a experiência dos órgãos e entidades da Administração em determinada matéria poderão ser decisivas na definição da espessura do controle.” (Idem, p. 227). [16] De acordo com a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, “[...] É imprescindível que se privilegie a ação das Agências Reguladoras, pautada em regras claras e objetivas, sem o que não se cria um ambiente favorável ao desenvolvimento do setor, sobretudo em face da notória e reconhecida incapacidade do Estado em arcar com os eventuais custos inerentes ao processo. A delimitação da chamada “área local” para fins de configuração do serviço local de telefonia e cobrança da tarifa respectiva leva em conta critérios como natureza predominantemente técnica, não necessariamente vinculados à divisão político-geográfica do município. [...] Ao adentrar no mérito das normas e procedimentos regulatórios que inspiraram a atual configuração das “áreas locais” estará o Poder Judiciário invadindo seara alheia na qual não deve se imiscuir. Ao intervir na relação jurídica para alterar essas regras, estará o Judiciário, na melhor das hipóteses, criando embaraços que podem comprometer a qualidade dos serviços prestados pela concessionária. Além disso, não concebo como se possa interferir de forma tão radical em um setor de tamanha complexidade e sensibilidade como é o das comunicações com base em mera presunção de que prestadora de serviços dispõe, na área questionada, de uma adequada engenharia de rede de telecomunicações.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 572.070/PR. Relator: João Otávio de Noronha. Dj: 16/03/2004. Publicação: 14/06/2004). [17] “[...] a feitura da equação tarifária é atribuição administrativa da agência. Só poderia o Poder Judiciário interferir em casos excepcionais, de gritante abuso ou desrespeito aos procedimentos formais de criação dessas figuras. Carece o Poder Judiciário de mecanismos suficientemente apurados de confronto paritário às soluções identificadas pelos expertos da Agência Reguladora.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 872.584/RS. Relator: Humberto Martins. Dj: 20/11/2007. Publicação: 29/11/2007). [18] “[...] É da exclusiva competência das agências reguladoras estabelecer as estruturas tarifárias que melhor se adequem aos serviços de telefonia oferecidos. Ao intervir na relação jurídica para alterar as regras fixadas pelos órgãos competentes, o Judiciário corre o risco de criar embaraços que podem não apenas comprometer a qualidade desses serviços, mas, até mesmo, inviabilizar a sua prestação.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial: AgRg na MC nº 10.915/RN. Relator: João Otávio de Noronha. Dj: 01/06/2006. Publicação: 14/08/2006). [19] “[...] a alteração do critério de remuneração fixado pela agência reguladora pauta-se, à primeira vista, por dados técnicos e lógicos do funcionamento do próprio sistema, que só poderia ser afastado, na estreita via do agravo, se configurada a inconstitucionalidade ou ilegalidade de sua fixação. Caso contrário, corre-se o grave risco de esvaziamento das atribuições definidas em lei ao órgão regulador que seria, no caso, integralmente substituído pelo Judiciário, a quem não cabe o exercício da competência reguladora, mas apenas de verificação e aplicação do ordenamento jurídico vigente ao caso concreto.” (BRASIL. Tribunal Regional Federal (3ª turma). Agravo de instrumento n° 2004.03.00.062208-7. Relator: Mairan Maia. Publicação: 07/03/2007). [20] “EMENTA. AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE CONHECIMENTO - TUTELA DE URGÊNCIA - INDEFERIMENTO - ART. 300, CPC - PROBABILIDADE DO DIREITO - NÃO COMPROVAÇÃO - COMPARTILHAMENTO DE INFRAESTRUTURA - SERVIÇOS DE ENERGIA ELÉTRICA E DE TELECOMUNICAÇÕES - PROCESSO ADMINISTRATIVO - NULIDADE - NÃO COMPROVAÇÃO - PREÇO DO PONTO - DILAÇÃO PROBATÓRIA - RECURSO IMPROVIDO. [...] 4. Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão que indeferiu a tutela de urgência, em sede de ação ordinária por meio da qual a ora agravante pleiteia o reconhecimento da insubsistência de determinação proferida nos autos do processo administrativo nº 53524.001057/2017-30, no sentido de compelir a CPFL a realizar o compartilhamento de postes mediante a aplicação do “preço de referência” definido pela Resolução Conjunta nº 004/2014. 5. A empresa agravada ingressou como um pedido de instauração de resolução administrativa de conflito perante à Comissão de Resolução de Conflitos das Agências Reguladoras, após tentativas de tratativas extrajudiciais, para a prevalecer o valor do poste compartilhado em R$ 3,19, conforme deliberado na Resolução Conjunta nº 004/2014, no contrato avençado entre as partes (Id 24295182 dos autos principais), dando origem ao PA 53524.001057/2017-30. 6. Nesse processo administrativo, verifica-se que, ao contrário do sustentado, a decisão administrativa encontra-se em observância ao princípio da motivação, justificar o ato com a exposição das razões que fizeram a Comissão decidir sobre a necessidade de aplicação da Resolução Conjunta nº 004/2014 (Id 24295187 dos autos principais - fls. 42/50 e Id 24295188 dos autos principais - fls. 1/2). [...] 8. Cabe ao Poder Judiciário apenas o controle da legalidade do ato administrativo, que, no caso, não se encontra maculado. 9. Prevê a Lei nº 9.472/97, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995: ‘Art. 73. As prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilização de postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadora de serviços de telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis. Parágrafo único. Caberá ao órgão regulador do cessionário dos meios a serem utilizados definir as condições para adequado atendimento do disposto no caput.’ 10. O mencionado dispositivo legal outorga um direito às prestadoras de serviços de interesse coletivo, no que concerne à utilização dos postes, bem como impõe um dever à prestadora de outros serviços públicos (no caso, a agravante). Eventual conflito será dirimido pelo órgão regulador do setor (no caso, as agências reguladoras), de modo que os serviços sejam prestados com qualidade. 11. No que concerne à impossibilidade das agências reguladoras em fixar o valor do ponto compartilhado, infere-se que ela decorre da própria legitimidade para resolução de conflitos, mormente antevendo a frequente cizânia que envolve a questão acerca da infraestrutura compartilhada. 12. Quanto ao valor fixado, a questão demanda necessariamente dilação probatória e contraditório. 13. Ausente requisito para a concessão da tutela de urgência, nos termos do art. 300, CPC, posto que ausente a probabilidade do direito invocado. 14. Agravo de instrumento improvido.” (BRASIL. Tribunal Regional Federal (3ª turma). Agravo de instrumento nº 50316681520194030000. Relator: Nery da Costa Junior. Dj: 09/03/2021. PUBLICAÇÃO 12/03/2021) (grifo nosso). [21] Nas palavras de Gustavo Binenbojm, “[d]e outro lado, o Poder Judiciário, acostumado a lidar com casos concretos, com argumentos marcadamente dogmáticos-jurídicos, nem sempre dispõe de meios para rediscutir políticas econômicas, por vezes baseadas em estudos e análises sistêmicas, levados a cabo pelos agentes eleitos, ou, ainda, por órgãos técnicos criados para a regulação de determinados setores da economia. Com efeito, avaliações econômicas de ampla repercussão sistêmica, no contexto de economias industriais complexas e de grandes proporções, tendem a ser mais bem realizadas por reguladores (aqui abrangidos legisladores e agências) – e não por juízes – sobretudo quando balizados por considerações técnicas ou científicas.” (BINENBOJM, Gustavo. Estudos de Direito Público. Artigos e pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2015. p. 99). [22] Sobre a possibilidade de o Judiciário afetar a harmonia do setor regulado, Sérgio Guerra afirma: “quando um juiz decide modificar um ato administrativo de caráter geral, seja ele vinculado ou discricionário, exarado com o fim de apreciar um determinado direito, individual ou coletivo, os efeitos desse ato, em regra afetam [apenas] os administrados envolvidos, ou seus impactos quase sempre são abrandados e diluídos na coletividade. Por outro lado, se o julgador alterar um ato administrativo regulatório, que envolve, fundamentalmente, a eleição discricionária dos meios técnicos necessários para o alcance dos fins e interesses setoriais – despido das pressões políticas comumente sofridas pelos representantes escolhidos pelo sufrágio –, esse magistrado, na maioria das vezes, poderá, por uma só penada, afetar toda a harmonia e equilíbrio de um subsistema regulado.” (GUERRA, Sérgio. Controle judicial dos atos regulatórios. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 272). [23] JORDÃO, Eduardo. Controle judicial de uma Administração Pública complexa: a experiência estrangeira na adaptação da intensidade do controle. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 161-162. [24] “Em outras palavras, há evidências de que a revisão judicial tem proporcionado poucos benefícios, visto que frequentemente não revê, de fato, a decisão administrativa, mas impõe custos expressivos, de tempo e de incerteza jurídica. Em particular, é curioso notar que a taxa de modificação (participação das decisões por anulação ou reforma parcial da decisão administrativa) em 1ª instância é substancialmente maior do que em 2ª instância. Isso significa que o duplo grau de jurisdição, tão relevante em processos que se originam no Judiciário, não tem a mesma função depuradora na revisão judicial. Há um conjunto de decisões administrativas que são anuladas em primeiro grau e depois confirmadas no segundo. No todo, a decisão administrativa prevaleceu, como ocorreria na ausência de revisão judicial, mas com os custos de emissão de sinais conflitantes sobre a aplicação adequada das normas regulatórias e concorrenciais.” (AZEVEDO, Paulo Furquim de; FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio; MARANHÃO, Juliano Souza de Albuquerque. As inter-relações entre o processo administrativo e o judicial, sob a perspectiva da segurança jurídica do plano da concorrência econômica e da eficácia da regulação pública. Relatório da pesquisa. São Paulo: USP, 2009. p. 167). [25] Conforme Marçal Justen Filho, “[o] primeiro ponto reside na impossibilidade de impedir ao interessado a faculdade de invocar a tutela jurisdicional, independentemente do exaurimento da via administrativa. Mais do que isso, a própria decisão adotada pela agência não apresenta cunho vinculante para o Judiciário, que poderá promover a ampla revisão dos atos praticados. A teoria do controle jurisdicional dos atos administrativos, segundo a configuração tradicional delineada pela doutrina e pela jurisprudência, incidirá sobre as decisões proferidas pelas agências a propósito de conflitos a ela submetidos” (JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. p. 555). [26] As resoluções conjuntas Anatel, Aneel e ANP nº 01/1999 e 02/2001, que tratam do compartilhamento de infraestruturas, preveem a resolução pela Administração dos conflitos nessa esfera. [27] Maria Sylvia Di Pietro manifesta posição divergente, entendendo que o dispositivo que prevê o seu efeito vinculante para as partes pode ser compreendido como vedação à apreciação da matéria pelo Judiciário (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias da Administração Pública. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 384). [28] Conforme Gustavo Binenbojm, “[a] constitucionalização do direito ensejou uma incidência direta dos princípios constitucionais sobre os atos administrativos não diretamente vinculados pela lei. Assim, não há espaço decisório da Administração que seja externo ao direito, nem tampouco nenhuma margem decisória totalmente imune à incidência dos princípios constitucionais. Portanto, não é mais correto se falar de uma dicotomia entre atos vinculados e atos discricionários, senão que numa teoria de graus de vinculação à juridicidade. Conforme a densidade normativa incidente ao caso, pode-se dizer, assim, que os atos administrativos serão: (i) vinculados por regras (constitucionais, legais ou regulamentares), exibindo alto grau de vinculação à juridicidade; (ii) vinculados por conceitos jurídicos indeterminados (constitucionais, legais ou regulamentares), exibindo grau intermediário de vinculação à juridicidade; e (iii) vinculados diretamente por princípios (constitucionais, legais ou regulamentares), exibindo baixo grau de vinculação à juridicidade.” (BINENBOJM, Gustavo. A constitucionalização do Direito Administrativo no Brasil: um inventário de avanços e retrocessos. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (Rere), Salvador, nº 13, p. 19-20, mar./maio 2008). [29] Para Gustavo Binenbojm, “[e]m relação ao controle jurisdicional dos atos administrativos, é possível formular um critério básico: ao maior ou menor grau de vinculação do administrador à juridicidade corresponderá, via de regra, maior ou menor grau de controlabilidade judicial dos seus atos. Todavia, a definição da densidade do controle não segue uma lógica puramente normativa (que se restrinja à análise dos enunciados normativos incidentes ao caso), mas deve atentar também para os procedimentos adotados pela Administração e para as competências e responsabilidades dos órgãos decisórios, compondo a pauta para um critério que se poderia intitular de jurídico-funcionalmente adequado.” (BINENBOJM, Gustavo. A constitucionalização do Direito Administrativo no Brasil: um inventário de avanços e retrocessos. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (Rere), Salvador, nº 13, p. 21, mar./maio 2008). [30] Conforme Eros Grau, a separação dos poderes “está intimamente voltada à otimização do desempenho das funções do Estado, fundando-se também no princípio da divisão do trabalho, ao passo que a preocupação de Montesquieu era imediatamente ligada à promoção da liberdade do indivíduo.” (GRAU, Eros Roberto. O Direito posto e o Direito pressuposto. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 226). [31] Nas palavras de Bruce Ackerman, “The very idea of institutional ‘efficiency’ is completely empty unless it is linked to more substantive ends.” (ACKERMAN, Bruce. The new separation of powers. Harvard Law Review, v. 113, nº 3, p. 639, jan. 2000). [32] Idem, p. 640. [33] Conforme André Cyrino, “[a] politização da atividade dos órgãos reguladores acaba por misturar as funções de criação e aplicação das normas. Se o aplicador não tiver, em certos casos, um mínimo de especialização, dificilmente terá imparcialidade, e o arbítrio (irmão da tirania) será o resultado. De fato, quanto mais os políticos intervenham na implementação das leis, menor será a imparcialidade de sua aplicação (a preocupação será a obtenção de votos) e maior será a ignorância sobre os seus efeitos sistêmicos. De outro lado, é certo que quanto maiores os esforços dos agentes eleitos pela politização da atuação da Administração técnica do Estado, menores serão as preocupações depositadas por estes na função que lhes é primordial e legítima: ‘a elaboração de valores básicos’. É dizer: especialização técnica e profissionalização administrativa são também meios para a prevenção da tirania.” (CYRINO, André Rodrigues. Separação de poderes e controle judicial: por um amicus curiae regulatório. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (Redae), nº 20, p. 7, nov. 2009/jan. 2010). [34] BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 193-238. [35] “No instante em que as vertentes axiológicas se tornam constitucionalmente obrigatórias, transformando-se em direito (público subjetivo) da cidadania e dever do Estado, o controle do Judiciário, em definitivo, não mais se pode fundar na província meramente formal, da legalidade estrita. Enfim, a crescente pregação da melhor doutrina (com destaques para as posições pioneiras de Caio Tácito), no sentido de que ao Judiciário também compete o controle de mérito do ato administrativo, erigindo a verificação qualitativa de sua existência à condição de validade do agir administrativo, não pode mais causar perplexidades. [...] sempre deveria ter sido assim, num regime jurídico que, em sede civilista até repelia e fulminava o abuso de direito; que em sede administrativa jamais aceitou a sobrevivência do abuso ou desvio de poder [...]. Aliás, se à ‘jurisdição’ imprópria dos Tribunais de Contas é imposto o controle da legitimidade e da economicidade da atuação administrativa (CF, art. 70, caput) – aspectos essencialmente de mérito –, não há como aceitar âmbito mais angusto, à jurisdição em sentido próprio, traçada no inciso XXXV do art. 5º” (FERRAZ, Sérgio. Extinção dos atos administrativos: algumas reflexões. Revista de Direito Administrativo – RDA, nº 231, p. 58, 2003). [36] Segundo Celso Antônio, “[d]iscricionariedade é a margem de ‘liberdade’ que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 785). [37] KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. Trad. de João Baptista Machado. 6. ed. Coimbra: Arménio Amado, 1984. p. 469-470. [38] HART, Herbert L. A. O conceito de Direito. Trad. de Armindo Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986. p. 140. [39] Para Dworkin, a discricionariedade não significa que a autoridade “[...] seja livre para decidir sem recorrer a padrões de sentido e equilíbrio, mas apenas que sua decisão não é controlada por um padrão fornecido pela autoridade específica que nós temos em mente quando levantamos a questão da discricionariedade.” (DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978. p. 33). [40] Lei é fonte da competência administrativa (arts. 5º, inc. II, 84, IV, e 37, caput, da CRFB/1988) [41] Segundo Desdentado Daroca, quando a lei “atribui competências discricionárias à Administração a está configurando para esse fim como um centro de decisão, está compartilhando com ela a tarefa que consiste na adoção de políticas de atuação e de escolha dos meios para levá-las a cabo.” (DAROCA, Eva Desdentado. Discrecionalidad administrativa y planeamiento urbanístico. 2. ed. Aranzadi: Elcano, 1999. p. 69). [42] Conforme Celso Antônio Bandeira de Mello, “nos casos em que a lei omitiu-se na enunciação dos motivos, dos pressupostos, que ensejaram a prática do ato. [...] Ainda aqui a liberdade discricionária encontraria cerceiros. Admitido que o agente pudesse escolher o motivo em função do qual haja exarado o ato, cumpre, de todo modo, que este seja logicamente correlacionado com o conteúdo do ato, em vista da finalidade que o categoriza.” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 795). [43] Sobre o controle da discricionariedade, Cesar Pereira observa: “Diante de uma situação concreta, cabe ao Poder Judiciário indagar (a) se a realidade dos fatos foi respeitada ou falseada; (b) se foi tomado ou não em consideração algum fator relevante ou se foi introduzido algum fator irrelevante; (c) se foi levado em conta o maior peso ou valor que o ordenamento eventualmente outorgue a um desses fatores; (d) se a opção por um dos fatores considerados equivalentes foi racional ou padece de erros lógicos ou é inconsistente com os fatos.” (PEREIRA, Cesar. Discricionariedade e apreciações técnicas da Administração. Revista de Direito Administrativo, nº 231, p. 251, jan./mar. 2003). [44] Eros Grau afirma (com suporte em António Francisco de Sousa) que, “ao limitar-se o controle jurisdicional ao ‘erro manifesto’, coloca-se à margem desse controle o ‘erro não manifesto’; é certo, porém, que tanto o ‘erro manifesto’ quanto o ‘erro não manifesto’ são ilegais e devem ser controlados e corrigidos, jurisdicionalmente; a tolerância do erro, manifesto ou não manifesto, se não concedida pela lei, não pode ser concedida pelo juiz; ademais, também não se pode responder de modo satisfatório onde começa e onde acaba o caráter manifesto do erro.” (GRAU, Eros Roberto. O Direito posto e o Direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 160). [45] Segundo Luís Roberto Barroso: “Pois bem: qual o espaço de revisão judicial dessas decisões? Ou de forma mais ampla, qual o espaço de controle jurisdicional das agências em geral. Como se sabe, o sistema brasileiro é o da jurisdição una, vale dizer, vige o princípio da inafastabilidade do acesso ao Poder Judiciário (art. 5°, XXXV, CF). A princípio, portanto, não é possível impedir que as decisões das agências reguladoras sejam submetidas à apreciação judicial. De outra parte, o controle judicial do ato administrativo, consoante doutrina tradicional, seria limitado aos aspectos de legalidade, não alcançando o mérito da decisão administrativa. Cabe revisitar essas idéias. O conhecimento convencional no sentido de não ser possível exercer controle de mérito sobre os atos administrativos tem cedido passo a algumas exceções qualitativamente importantes, geradas no âmbito do pós-positivismo e da normatividade dos princípios. Nesta nova realidade, destacam-se princípios com reflexos importantes no direito administrativo, dentre os quais o da razoabilidade, da moralidade e da eficiência. À luz desses novos elementos, já não é mais possível afirmar, de modo peremptório, que o mérito do ato administrativo não é passível de exame. Isso porque verificar se alguma coisa é, por exemplo, razoável – ou seja, se há adequação entre meio e fim, necessidade e proporcionalidade – constitui, evidentemente um exame de mérito.” (BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras, Constituição, transformações do estado e legitimidade democrática. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 229, p. 285-311, jul./set. 2002). [46] BRASIL. Tribunal Regional Federal (1ª turma). Agravo de instrumento n° 0037888-67.2002.4.01.0000. Relatora: Maria Isabel Gallotti Rodrigues. Publicação: 15/03/2004. [47] A construção das hipóteses e enunciação dos parâmetros tem como base, com muitas adaptações, as seguintes obras: PEREIRA, Cesar. Discricionariedade e apreciações técnicas da Administração. Revista de Direito Administrativo, nº 231, p. 217-268, jan./mar. 2003. p. 254-256; ALESSI, Renato. Principi di Diritto Amministrativo. v. I, 4. ed. Giuffre: Milão, 1978; ALEXY, Robert. A theory of legal argumentation. Trad. de Ruth Adler e Neil MacCormick. Oxford: Clarendon Press, 1989; DAROCA, Eva Desdentado. Discrecionalidad administrativa y planeamiento urbanístico. 2. ed. Aranzadi: Elcano, 1999; DAROCA, Eva Desdentado. Los problemas del control judicial de la discrecionalidad técnica (un estudio crítico de lajurisprudencia). Madrid: Civitas, 1997; GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDES, Tomáz-Ramón. Curso de Derecho Administrativo. 8. ed. Madrid: Civitas, 1998. [48] BINENBOJM, Gustavo. A constitucionalização do Direito Administrativo no Brasil: um inventário de avanços e retrocessos. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (Rere), Salvador, nº 13, p. 21, mar./maio 2008.

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